INSIGNIFICÂNCIAS SIGNIFICATIVAS
(Um poema de Cleusa Piovesan)
Nossas vivências e experiências, contextualizadas aos valores éticos e morais, vigentes em cada época, determinam nossas ideologias e nossa maneira de interpretar os fenômenos sociais, empíricos ou científicos, atrelados às emoções que eles nos despertam. Somos seres impregnados de sentimentos, duais e ambíguos, e nosso olhar sobre o mundo reflete a essência de que somos formados para que tentemos equilibrar “a insustentável leveza do ser”, a partir do reconhecimento de nossa insignificância, diante da imensidão de situações a que estamos expostos a todo momento. Este poema apresenta apenas um dos vieses pelos quais observo e contextualizo o cotidiano, de meu “insignificante” lugar no mundo; o meu lugar de fala!
.
INSIGNIFICÂNCIAS SIGNIFICATIVAS
.
Eu vi o mundo do alto
Acima das nuvens, sobrevoando-o
Num belo dia ensolarado…
E a insignificância do mundo lá embaixo
Parecendo um tapete de patchwork
Montava retalhos costurados da vida na Terra
.
Eu vi o mundo à noite
Lá do alto, com as luzes da cidade
Parecendo pirilampos alucinados
E o gigantesco Rio Iguaçu serpenteando a Mata Atlântica
Um imenso espelho azul na escuridão
Parecendo uma corrente a guiar o pouso
.
Eu vi as metrópoles de São Paulo, Salvador, Recife
Com meu olhar pairando sobre as nuvens
Que entrecortavam minha visão
Apresentando-me uma imagem quase lunar
Em pontos que surgiam e desapareciam
Dando-me a consciência da dimensão de minha insignificância
.
Eu vi o mundo do alto da América do Sul
Vi as plantações em estufas de flores
Que enfeitam as ruas e os sorrisos colombianos
Vi as favelas em seu tom ocre
Combinando com quadriculados coloridos
Contrastando com o agreste das vidas que lá se aninham
.
Vi as gigantescas olarias, tijolos e telhas
Que ornamentam o centro histórico da capital colombiana
E do alto morro da igreja de Montserrat
Vi Bogotá, um amontoado de quadradinhos disformes
Sem nitidez, mas pulsante em vida e labor
.
Eu vi as bananeiras do Panamá vendidas a preço de ouro
E o lodo dos manguezais a contornar
O imponente aeroporto internacional
No qual entrecruzavam pessoas do mundo inteiro
Rostos anônimos numa multidão multifacetada
Aliciadas pelo poder do dinheiro
.
E eu vi as profundezas na memória da infância
Quando quis morar em uma caverna
Cavando um buraco e cobrindo-o com tábuas
Nos becos da memória de minha inocência
E numa pequena caverna em Flor da Serra do Sul
Guiada pelo olhar aquilino de um amigo
Com vestígios deixados para marcar a passagem do homem ali
Um singelo santuário incrustando a fé popular
Em uma gruta de pouca profundidade
E nas minas de sal de Zipaquirá
Extremas profundezas de estalagmites e estalactites
Transformadas em templos religiosos
Um purgatório para as vidas perdidas na mineração
.
Das profundezas das cavernas aos altos voos
Apenas uma única e imutável certeza:
Somos um ponto insignificante dessas paisagens
Mas se formos tirados de nosso lugar
Todo o restante desmorona
Somos essenciais em nossa insignificante significância.
.