“Somos a Igreja do pão”!
Dom Edgar Xavier Ertl – Bispo da Diocese de Palmas-Francisco Beltrão
Uma das necessidades básicas das pessoas é a alimentação. Alimentar-se é um direito fundamental, um direito natural, intrínseco à nossa vida e o seu desenvolvimento em todas as dimensões. No presente artigo vamos refletir sobre o milagre dos pães e a partilha realizada por Jesus, com a colaboração de seus discípulos às multidões esfomeadas, sinais eucarísticos prefigurados. E o sentido do pão eucarístico se explica em João 6,1-60 – “o discurso do pão da vida” – Jesus é o pão do céu que dá vida.
“Cinco pães e dois peixes a cinco mil”
A primeira atitude de Jesus diante da multidão foi a compaixão. Já os discípulos disseram-lhe: “O lugar é despovoado… despede as pessoas para que vão às aldeias comprar alimento” (cf. Mateus 14,15ss). A proposta não agradou a Jesus. “Não precisam ir embora; dai-lhes vós de comer”. Desculpam-se: “Aqui não temos mais que cinco pães e dois peixes”. Tomando-os nas mãos Jesus levantou os olhos ao céu, deu graças, partiu o pão e o deu a seus discípulos; eles o deram às pessoas famintas. Todos comeram e ficaram satisfeitos, sobrando ainda uma grande quantidade. Jesus dialoga com seus discípulos e estes se tornam testemunhas do milagre que o Mestre fez diante de seus olhos. Jesus age como novo Moisés e como profeta. A multiplicação dos pães é o resultado da compaixão do Senhor, e não exibição de poder.
A tradição eclesial interpreta nestas fórmulas, no modo como Jesus procedeu, fazendo o que chamamos de “práticas litúrgicas primitivas, a Última Ceia”: a ação de graças, a fração do pão, a distribuição pelos discípulos – são protagonistas da comunhão alimentar – Jesus forma os discípulos para terem autoconfiança, mostrarem iniciativa e serem líderes, cooperadores responsáveis pela solidariedade. Por que temos fome no mundo, no Brasil, no Paraná? Pão o temos suficiente, em abundância! O Brasil é rico; é só ter pessoas justas, sensíveis às necessidades do povo, para bem gerenciar essa riqueza. O que nos falta é a generosidade ensinada e praticada pelo Mestre Jesus diante de seus incomodados discípulos diante de 5000 mil pessoas com fome. Eucaristia não combina com fome. Eucaristia gera partilha. Este é seu pedido: “Dai-lhes vós de comer”. A professora universitária romana Nora Mckean diz que “se não podemos libertar o mundo da fome, não podemos nem mesmo garantir um mundo em que valha a pena viver. Há alimento suficiente: existe um problema de igual acesso, de desigualdade”.
Jesus é o pão do céu que dá vida!
No capítulo 6 de João, lemos o discurso do pão da vida. A faminta multidão aproxima-se, procura, acorre a Jesus desejosa de saciar-se de suas inúmeras fomes. Nalguns momentos Jesus questiona a multidão que o procura como “milagreiro”, não ao enviado de Deus. Catequisa Jesus: “É meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do céu. O pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (João 6.32-33). Diante desta origem do verdadeiro pão, disseram-lhe: “Senhor, dá-nos sempre deste pão”. Adverte-lhes o Mestre Jesus: “Eu sou o pão da vida: aquele que vem a mim não sofrerá fome, aquele que crê em mim não passará sede” (cf. vv. 34-35). Jesus diz-nos, neste diálogo com a multidão, que o Pai é o doador, Jesus é o dom do Pai, sustento da vida nova, sustento da comunidade que se torna “Igreja do pão partilhado”. Na genética humana há o desejo sublime da ânsia de vida sem fim. Para tal finalidade existe a necessidade vital: alimentar-se. Somente Jesus, pão do céu, que satisfaz essa ânsia e que dá vida. E a consequência de quem Nele se alimenta é “trabalhar nas obras de Deus” (v.28). E a “obra de Deus consiste em que creiais naquele que ele enviou” (v.29). Crer e praticar o que ensinou o enviado por Deus é a missão de quem o comunga. Ele é o ensinamento de Deus em pessoa. Crer em Jesus e compactuar com a fome e a desigualdade social é pecado que clama aos céus.