Um engano capaz de matar
(Joceane Priamo)
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A notícia chegou como um soco: lá estava eu almoçando na casa de meus pais, e como sempre: a rádio educadora comunicava com pesar o falecimento de dona Ondina Pereira da Silva; minha professora de alfabetização, havia cansando de lutar.
A lembrança de sua paciência infinita, das aulas animadas e do cheiro de Charisma invadiram a minha mente. Sem pensar duas vezes, liguei para minha amiga da escola e juntas fomos ao velório. Ali, diante do caixão, víamos um olhar quase que irreconhecível de quem teve um longa batalha com o câncer, choramos pela infância que ficou para trás e pela mestre que nos guiou. Ofereci minhas condolências aos familiares , dei um adeus silencioso àquela figura tão marcante.
Naquele momento, imersos na quietude do local, as reflexões sobre a efemeridade da vida e o verdadeiro impacto que deixamos nos corações alheios invadiram nossos pensamentos. Ondina, uma figura que dedicou tanto de si para nós, merecia um adeus multitudinário. Imaginávamos a capela mortuária repleta de ex-alunos, testemunhas vivas do trabalho árduo e da generosidade que ela tão abundantemente compartilhou. No entanto, o silêncio cruelmente contrastava com essa expectativa. Éramos apenas nós duas, as últimas a se despedirem, um lembrete pungente de como a memória e o apreço podem ser voláteis ou, talvez, seletivos.
Fica a interrogação sobre as ligações que cultivamos: seriam elas passageiras como o tempo que delas dispõe? A escassez de presenças, ali, naquele instante de luto, falava mais alto que qualquer discurso. Era um espelho direto da vida – efêmera, surpreendente em seus vazios e, por vezes, desapontadora na proporção do afeto recebido versus o oferecido. Ondina merecia mais, todos nós merecemos ser lembrados com mais substância do que a que testemunhamos naquele dia.
Seis meses se passaram. Filhos crescem, rotinas se estabelecem. E numa tarde qualquer, fui buscar o meu filho mais novo na escola quando, no corredor, ouvi uma voz familiar chamando meu nome. Girei, arregalei os olhos, paralisei, entrei em choque; só não saí correndo porque minhas pernas entrevaram. Ali, diante de mim Dona Elvira estava vivinha da Silva, sorridente e vibrante. O susto foi imediato e mil perguntas surgiam na minha mente. Aquele abraço apertado, a saudação calorosa… e a ficha caiu.
Minha colega e eu fomos no velório errado. A falecida compartilhava o mesmo nome, mas não era a nossa professora. Agora estava explicado a ausência de nossos colegas. As lágrimas que derramei foram por outra alma, e a aula de vida que recebi naquele dia, sem que Dona Elvira soubesse, foi sobre a fragilidade da vida e a ironia do destino. Um misto de alívio, arrepio na espinha e um riso involuntário.
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Joceane Priamo nasceu em Francisco Beltrão-PR, em 23 de maio de 1988. É formada em Letras Português e Literatura pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e Pedagogia pela Faculdade Campos Elíseos (FCE), pós-graduada em Docência no Ensino Superior, Antropologia, Educação Especial e Intelectual.
Em março de 2021, lançou seu primeiro livro, Francisco Beltrão entre Versos e Sonhos. Em 2024 lançou a coleção infantil As aventuras de Chiquinho Beltrão e sua turma. Participa da coordenação da Via Poiesis e como membro do Centro de Letras de Francisco Beltrão, é professora, escritora, poetisa e cronista.
