CULTURA DO CANCELAMENTO?
O poder das chamadas Big Techs tem gerado questionamentos, pelo modus operandi às vezes agressivo no controle da informação, na censura, no cerceamento da liberdade de expressão, na cultura do cancelamento. Numa sociedade que vai se tornando cada vez mais digitalizada, com uma dependência cada vez maior de dispositivos tecnológicos, da inteligência artificial, da robótica, é compreensível que haja questionamentos sobre os aspectos de desumanização de tais aparatos tecnológicos. Aquilo que poderia ajudar as pessoas em suas atividades do dia-a-dia e até na interação social, pode acabar se tornando opressor e inclusive colocar em risco as pessoas. Essa discussão certamente será uma das mais profícuas do século 21, e que merece ser debatida com ponderação, levando-se em conta o que há de promissor e benéfico nos avanços das tecnologias (especialmente às de comunicação), com também as implicações negativas do mau uso destas tecnologias.
No campo das ideias, há uma polarização ideológica que favorece posicionamentos extremistas, e isso é preocupante. Mas também há exageros. Muitas vezes alguma celebridade ou liderança política expressa um pensamento acerca de uma determinada situação e já é raivosamente julgada (principalmente nas redes sociais), sendo vítima da chamada cultura do cancelamento. Por ter se posicionado com certa independência intelectual sobre alguma questão controversa, que contrarie o politicamente correto, muitas vezes, a celebridade é colocada imediatamente no ostracismo. Ocorre também que muitos julgamentos acabam sendo precipitados e injustos, não levando em conta o contexto de tal afirmação. por exemplo, é muito comum olharmos para o passado histórico com o olhar da mentalidade e da cultura da nossa época, cometendo assim anacronismo. É preciso, nesse campo, sobriedade e cautela, se deter realmente na verdade e não em versões ideológicas.
O papa Francisco tratou recentemente desse tema, conforme escreveu o jornalista italiano Antonio Polito: “Mas ainda mais significativo foi o duro ataque que o Pontífice desferiu, diante dos membros do corpo diplomático no Vaticano, contra a chamada ‘cultura do cancelamento’, que é desenfreada nos Estados Unidos e na área anglo saxônica como um suposto instrumento de afirmação dos direitos das minorias, tachada pelo Economist como arma da ‘esquerda iliberal’. O ponto crítico para Francisco é que essa ânsia de derrubar estátuas e monumentos, ostracizar clássicos da literatura e do teatro, censurar autores e diretores, ‘renega o passado’ em nome de um ‘bem supremo indistinto e politicamente correto’. Em suma, um falso ídolo poderia se dizer; com o risco de uma ‘colonização ideológica que não deixa espaço para a liberdade de expressão'”. Esse é, portanto, o cuidado que devemos ter, no momento, em meio a tanta informação e até julgamentos precipitados. Precisamos respeitar as pessoas, a sua liberdade (também a liberdade de expressão), mas que não favoreça a extremismos ideológicos, mas que cada pessoa possa exercer a sua liberdade de expressão com responsabilidade.
Valmor Bolan é Doutor em Sociologia. Professor da Unisa. Ex-reitor e Dirigente (hoje membro honorário) do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras. Pós-graduado (em Gestão Universitária pela OUI-Organização Universitária Interamericana) com sede em Montreal-Canadá.