SONHO DE MENINA; DESEJO DE MULHER
(Um conto de Cleusa Piovesan)
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Conto: O conto é um gênero textual marcado pela de narrativa curta, escrita em prosa e de menor complexidade em relação aos romances. A origem dos contos está relacionada à tradição de contar histórias de forma verbal. Quando transcritas, essas mesmas histórias (que geralmente seguem uma trama única) resultam em uma narrativa concisa que pode ser lida em pouquíssimo tempo. Com o surgimento de novas técnicas e estilos de escrita, o termo adquiriu um sentido mais amplo que pode ser expresso na língua inglesa como “short story”, um texto cujos únicos traços obrigatórios são a curta extensão e a escrita em prosa.
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SONHO DE MENINA; DESEJO DE MULHER
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A menina de uns cinco anos chegou ao salão de beleza com a mãe. Observou com curiosidade tudo a sua volta. Seria preciso esperar, havia outra cliente antes de a mãe ser atendida, e eu. E a pequena sentou-se no sofá, mas não por muito tempo. Parecia inquieta, algo a fascinava.
Janete estava pintando minhas unhas, de um vermelho vivo brilhante e, por alguns minutos, elas foram o alvo do olhar da menininha. Seus olhinhos quase suplicavam: “Pinta a minha também.”, mas conteve-se, baixando o olhar, encabulada, ao perceber que eu a observava.
Luciane chamou a mãe da menina e pediu que ela se sentasse ao lavatório, para lavar seus cabelos, antes de cortá-los. A menina se aproximou da mãe, que carinhosamente, pediu-lhe que voltasse a se sentar no sofá.
Sugeri à menina que pegasse uma revista para olhar e distrair-se. Olhou-me, sorriu satisfeita e aceitou a sugestão, sorrindo.
Enquanto eu esperava minhas unhas secarem, dediquei-me a observar os movimentos da garota. Certamente, era a primeira vez que acompanhava a mãe ao salão de beleza. Pareceu-me que ela até se imaginava sendo atendida, recebendo toda aquela atenção com que as moças do salão atendiam à clientela. Imaginei que, naquele momento, seu instinto de mulher estava sendo despertado por uma sensação não experimentada, mas que só de olhar lhe proporcionava certo prazer.
Luciane terminou de lavar os cabelos da mãe e a posicionou em frente ao espelho, para cortá-los. A menina acompanhava atenta cada mecha que caía ao chão, como se estivesse assistindo a um ritual. Seus olhinhos brilhavam ao contemplar a mãe tornando-se mais bela, aos cuidados da cabeleireira. E, quando Luciane começou a secar e escovar o cabelo da mãe, a menina chegou mais perto, sorriu abertamente, demonstrando que havia aprovado o resultado.
Demorei-me mais do que realmente precisava no salão, para assistir ao desfecho da cena. Era óbvio que a pequena estava encantada. A mãe pediu-lhe que se sentasse novamente e esperasse mais um pouco.
A menina voltou ao sofá, balançava as perninhas em sinal de impaciência. Levantou-se e foi até o espelho, pegou uma escova e começou a pentear-se. Olhava-se no espelho, virando da direita para a esquerda, admirando-se. Os cabelos cor de mel, que lhe chegavam quase à cintura, ficavam mais brilhante à medida que ela os escovava.
Percebi em seus delicados gestos, que seu mundo infantil fora invadido pelo desejo premente de parecer-se com a mãe, de não ser mais criança e poder desfrutar dos cuidados com a aparência. Sentia-se mais bela, só por pentear-se. Largou a escova e voltou a sentar-se. Pegou a revista, mas a folheava sem muito interesse. As unhas da mãe, sendo pintadas de um vinho forte, atraíram sua atenção. Olhou para as mãozinhas caídas sobre a revista, e suspirou. Havia um desejo incontido dentro dela. Janete percebeu a atenção da menina e perguntou:
– A mamãe está ficando bonita?
A menina só sorriu, confirmando com a cabeça, para voltar a distrair-se olhando a revista, o que durou apenas alguns instantes. Ela levantou-se e postou-se em frente ao expositor de esmaltes, olhando detalhadamente e tirando uma a um, admirando a diversidade de cores, que pareciam um caleidoscópio a despertar-lhe um lampejo de novas sensações.
Seus dedinhos tremiam de emoção quando olhou para Janete, com medo de que ela lhe pedisse que não mexesse. Mas a moça falou:
– Escolhe a cor que você mais gosta e eu pinto as suas unhas! Era tudo o que a menina queria ouvir. Olhou para a mãe, esperando a aprovação. A mão sorriu. Seu grande desejo de ser mulher concretizava-se num pequeno sonho de criança. Estendeu as mãozinhas com o mais lindo sorriso estampado no rosto e virou-se para mim, que a observava, suspirando satisfeita, como se fôssemos cúmplices.
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Conto publicado no livro “Fragmentos” (2016), de Cleusa Piovesan.
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