A ELEIÇÃO DO CONTRA
Apesar de não ter vivenciado in loco alguns momentos da história, sempre tento manter os ouvidos bem atentos para ouvir mais do que falar. E em mais um desses exercícios, um dia desses, um amigo me contou que lá pelo final dos anos 80, início dos 90, muitas pessoas se engajavam em movimentos – principalmente os estudantis – para protestar pelas “diretas já” ou pelo “fora Collor”. E tudo isso acontecia não exatamente por achar as pautas chamadas “de esquerda” eram melhores ou piores, mas sim porque era “bonito” ir contra àquele momento turbulento do período militar que o Brasil estava vivendo anteriormente. Ou seja, naquele momento, o “legal” era estar desse lado da história – e o uso de tantas aspas é justamente para frisar que esse era o pensamento daquelas pessoas naquela época.
Toda essa história é uma ótima validação daquilo que talvez já saibamos: a política, assim como a vida, é feita de ciclos. Eles se abrem, se fecham e, mais do que tudo, se repetem. E passado mais um período de tempo, esses modismos se acalmaram, até que surgissem novos motivos para “acordar o gigante”, como tanto já se ouviu por aí.
Tudo começou com os escândalos que inegavelmente aconteceram nos governos do PT em meados da década de 2000, onde apesar de bons programas sociais, que mudaram a vida de muita gente, também começou a surgir o desgaste natural de um longo tempo consecutivo no poder, além das pesadas situações de desvios e corrupção que todo mundo já conhece, grande parte já julgada e com os responsáveis punidos. E foi exatamente aí, com uma grande ajuda do fortalecimento das redes sociais, que o gigante começou a se espreguiçar.
Depois, vieram as gigantescas manifestações de 2013, onde o preço de uma passagem se transformou em um pequeno motivo para um movimento enorme, que mudaria o ciclo da nossa história para sempre. O outro lado, mais voltado às pautas ideológicas da direita, acordou de vez, passou perto nas eleições de 2014 e veio com tudo em 2018, mais radical do que nunca.
Agora, nas eleições de 2022, o jogo ficou claro: vivemos a eleição do “votar contra”, não do “votar a favor”. Grande parte das pessoas não vota no Bolsonaro porque gosta dele, mas sim porque necessita derrotar Lula hoje e sempre, custe o que custar, ainda fruto daquele sentimento do meio da década passada. Como também muitas pessoas que nunca nem pensaram em votar no Lula e agora votarão porque não engolem e muito menos se identificam com a forma de governar de Bolsonaro e a sua condução do país.
O passado realmente nos dá muitas respostas sobre o presente. As escolhas de hoje refletem o que já passou, seja a 15 ou 10 anos atrás, seja no ano passado. Lula fez nascer Bolsonaro. Bolsonaro fez Lula ressurgir. E assim, talvez pela primeira vez na história, muita gente não irá votar em alguém, mas sim contra o outro. E talvez seja o voto mais decidido de todos. Afinal, a chamada “guerra de rejeições” nunca esteve tão viva e presente, fazendo com que seja o principal fenômeno eleitoral desse pleito. E, assim, os ciclos vão se construindo e se repetindo, com movimentos que acontecem contra algo e não a favor, seja nos anos 80, 90 ou em 2022. E talvez, daqui há 20 ou 30 anos, estaremos contando essa história para alguém.