A noiva roubada
(Joceane Priamo)
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Quando pensamos em casamento, geralmente, nos vem a mente a imagem da noiva de branco, o noivo ansioso, as famílias animadas e uma festança cheia de alegrias e comilanças, mas nem sempre foi assim, pelo menos não com a dona Goretti e o seu Joacir.
Namorar antigamente era um processo que exigia muita cautela, o rapaz tinha que pedir para o pai da moça se ele autorizava o namoro, frequentava a casa da família com dias marcados e dificilmente o casal ficava sozinho, o relacionamento era supervisionado pelos pais ou irmãos mais velhos e é claro que a vizinhança também colaborava ficando de olho nos pombinhos para que conservassem a decência.
Demonstrar afeto em público era inaceitável, o coração precisava se contentar com os olhares e no máximo um toque de mão; muitos dos jovens de hoje não sobreviveriam ao olhar de um pai bravo ou ao interrogatório de uma mãe em descobrir se o pretendente era um bom partido. Sem internet e com pouca liberdade, eles mantinham contato por cartas quando conseguiam um amigo como pombo correio, guardavam uma foto na carteira para acariciar a saudade e esperavam o tempo passar com a esperança que o destino estivesse a favor do amor.
Foi nesses modos que Goretti e Joacir começaram a namorar, ambos eram vizinhos desde crianças, as terras das duas famílias faziam divisa e uma pinguela sobre o rio permitia a troca de passagem. Iam para escola quando os pais permitiam e quando não era época de plantio, aos domingos se viam nas missas e quando a safra dava boa tinham permissão para ir aos matinês. Ela tinha 15 e ele tinha 20 quando começaram a paquerar. Diferente de hoje, o rapaz ia visitar a moça aos domingos à tarde, às vezes recebia o convite da família para almoçar, geralmente, era o último a se servir e comia bem pouquinho com vergonha ou medo da reação que o almoço pudesse causar.
Ao adentrar a casa nunca passava da sala de jantar e algo era certo: não podia enrolar a moça por muito tempo, logo tinham que casar. A mãe de dona Goretti a ensinou a fazer crochê desde menina para que ela mesma fizesse o próprio enxoval, o que faltava ela tinha que trabalhar para poder comprar. Seu Joacir era o filho mais velho, perdeu o pai ainda criança, desde os 9 anos ajudava a sua mãe a sustentar a casa e os quatro irmãos. Dona Goretti também era a primogênita, mesmo sendo mulher teve que ter a força de um homem, desde os sete anos precisou acompanhar o seu pai na roça, lavrava, carpia, plantava, a sua feminidade não lhe fora poupada. Eis aqui o desafio do jovem casal apaixonado: a responsabilidade de trazer o sustento para as famílias.
Depois de dois anos de namoro e de cinco parágrafos de explicação é que vou chegar no título dessa história que num primeiro momento gera dúvida devido a ambiguidade da expressão, onde o leitor deve ter se perguntado: será que roubaram algo da noiva ou a noiva foi o próprio roubo? Como sempre eu digo: calma! Agora, vou explicar…
Cansados de namorar e sem permissão dos pais para casar, Joacir e Goretti resolveram fugir, atitude muito comum nos anos 70, sem delongas, embaixo de um pinheiro planejaram a fuga. Vale a pena lembrar que naqueles tempos não havia água encanada, luz elétrica e nem rede de esgoto. A natureza ainda era a base da orientação – e no sul do mundo foi mais tardio a chegada da evolução. Graças a essa precariedade que ambos conseguiram dar no pé.
Numa das piores geadas de julho, Goretti acordou as suas irmãs Dete e Margarete para irem com ela até a patente que ficava a uns 100 m da casa, alegando que estava com uma intensa dor de barriga, é claro que as irmãs não iriam sair do calor dos cobertores para levar a irmã mais velha defecar. Goretti pegou sua trouxinha debaixo da cama e saiu de fininho, Joacir nem sentiu o vento gelar, em meio a tanto frio apenas sentia suas mãos suarem, seu coração se acalmou quando viu a Goretti chegando, nem perderam muito tempo com o encontro, atravessaram logo a pinguela e fugiram sem pensar nas consequências.
Hoje quando alguém me pergunta como foi que eu nasci, apenas dou risada e penso: sou a consequência de uma noite fria e de uma falsa dor de barriga. Quem não ficou muito contente com a noiva roubada foi o meu vô que no dia seguinte colocou fogo na privada e construiu outra no lado da casa, mas essa já é outra história, terão que esperar para ler.
