Coluna PET

A saúde tingida de sangue

A história da humanidade sempre foi marcada por cores…

Desde os tempos mais remotos, o homem faz uso de corantes para diversos objetivos.

Inicialmente usados apenas para pinturas de desenhos em paredes de cavernas e rochas e, possivelmente, para adornar o corpo, como meio de identificação de grupos ou tribos, eram usados apenas corantes extraídos de rochas, substratos, vegetais e outros meios de origens totalmente naturais.

Muita história envolvendo as cores e muito tempo passou até a origem do primeiro corante sintético. Até meados do século XIX, os corantes eram obtidos naturalmente de plantas, minerais e animais, e existia pouca variação de cores e suas tonalidades.

De forma totalmente acidental, ao acaso, surgiu o primeiro corante sintético, a Mauveína ou Púrpura de Anilina. Foi em 1856, em Londres, durante uma pesquisa com o intuito de obter e preparar o alcaloide quinina a partir do alcatrão de hulha, que William Henry Perkin – com apenas 18 anos de idade – deparou-se, após o fracasso de um experimento, com a formação residual de um corante hidrossolúvel, que logo percebeu ser extremamente eficaz no tingimento da seda. Em 1870, estabeleceu a primeira fábrica de corantes sintéticos, do mundo.

Muitos pesquisadores voltaram-se para a descoberta de Perkin, dando sequência a uma infinidade de estudos, de onde surgiram muitos outros tipos de corantes. Em pouco mais de dez anos, já haviam sido patenteados e iniciava-se a produção de cerca de nove mil novos corantes. Em pouco tempo, alguns destes corantes já estavam sendo usados em alimentos, conferindo cores – com tonalidades mais vivas – a bebidas, molhos e doces.

As vantagens do uso dos corantes artificiais, em alimentos, eram muitas. A facilidade e baixo custo de produção, o excelente resultado de coloração, a necessidade de pouca quantidade – devido a sua excelente solubilidade – e a baixa ou ausência de interferência no sabor, determinou, naquele momento, uma enorme vantagem econômica e, obviamente, o interesse pelo uso dessas substâncias cresceu vertiginosamente. Da mesma forma, surgia a preocupação sobre os efeitos toxicológicos destes corantes e rapidamente viu-se necessário estabelecer critérios de regulamentação do uso destas substâncias, em alimentos.

Muitos estudos paralelos seguiram a trajetória do desenvolvimento, produção e uso de diversas substâncias corantes. Em poucos anos, a descoberta de seus efeitos tóxicos ao organismo humano e outros animais e ao meio ambiente, levantou uma temática muito complexa acerca dessas substâncias na produção de alimentos e outros produtos de uso comum, em todo o mundo.

Os efeitos negativos do consumo e da exposição aguda ou crônica a diversos corantes sintéticos incluem a genotoxicidade – capacidade de alteração no DNA –, influência em fatores comportamentais e psicológicos, distúrbios hormonais e diversas alterações metabólicas e desordens neurológicas.

Atualmente, mesmo com toda a tecnologia disponível, algumas substâncias carecem de estudos toxicológicos, no entanto, continuam sendo usadas pelas indústrias alimentícias, mesmo sob suspeitas de graves influências negativas ao organismo.

Infelizmente, o uso de corantes pela indústria alimentícia tem respaldo do próprio consumidor, que demonstra preferência de escolha por produtos com cores mais marcantes, claramente relacionada a fatores educacionais e culturais. Outro fator determinante ocorre por ordem psíquica, onde a relação sensitiva das cores com os possíveis sabores ou frescor dos alimentos, afeta consideravelmente o poder de escolha, na hora da compra.

Mesmo sendo amplamente discutido e reconhecido, o potencial tóxico destas substâncias parece não ser relevante na hora da escolha de determinado produto.

Como as reações de toxicidade são geralmente crônicas e de difícil correlação de causa com uma determinada substância, talvez, a falsa sensação de imunidade aos fatores de risco, faz com que muitos menosprezem o perigo da ingestão destas substâncias.

O crescente índice de casos oncológicos, doenças neurodegenerativas, reações autoimunes e alergênicas e distúrbios diversos, podem ter relação direta com muitas dessas substâncias que podem, inclusive, estar relacionadas a casos de má formação embrionária e diversos problemas neurológicos em crianças.

Tumores gastrintestinais, de fígado, rins e bexiga; o surgimento de asma, dermatite, alergias e irritação dos olhos, são alguns dos problemas mais relatados em estudos sobre os efeitos tóxicos dos corantes, que podem evoluir para quadros anafiláticos (reação generalizada do organismo) e levar à morte.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é responsável pela regulamentação, no Brasil, do uso de corantes orgânicos artificiais no processo de fabricação de alimentos e bebidas. Desde 2014, a legislação brasileira pertinente a estas substâncias, encontra-se em harmonia ao estabelecido em todos os países pertencentes ao bloco Mercosul. Em outros países, como Japão, Estados Unidos e por toda Europa, ocorrem algumas restrições de uso de alguns corantes permitidos em nosso país e a proibição de outros. Já na Noruega, nenhum corante sintético é permitido.

A preocupação com os riscos toxicológicos destas substâncias também recai sobre a produção farmacêutica, onde o uso de corantes é extremamente difundido e, possivelmente, de maior complexidade devido possíveis interações com as diversas substâncias reativas presentes neste tipo de produto.

Alguns corantes utilizados no Brasil:

Amaranto – E123

Muito utilizado em bebidas, sorvetes, misturas para bolos, sopas, cereais, molhos para saladas, gomas de mascar, chocolates e achocolatados, cafés e geleias, é um corante de cor vermelho magenta que possui tonalidades que variam entre o vermelho escuro, o roxo e o marrom.

Também chamado de Vermelho FD&C Nº 2, C.I. Vermelho para Alimentos 9, Vermelho Naftol S, Vermelho Ácido 27, Vermelho Azo, Bordeaux S e Vermelho Rápido, é uma substância de uso proibido na Áustria, Estados Unidos (desde 1976) e Rússia.

Amarelo Crepúsculo – E110

Também conhecido como Amarelo Alaranjado S, Amarelo Alimentar 5, Amarelo FD&C 6 e Amarelo Sunset, garante, aos alimentos, cores que variam do laranja ao vermelho.

Muito usado na preparação de sorvetes, doces e balas, queijos, sopas industrializadas, refrigerantes, bebidas energéticas, camarões industrializados e suplementos alimentares. Amarelo Crepúsculo está entre os três corantes mais usados no mundo.

A Finlândia e a Noruega proíbem o uso desse pigmento, devido à suspeita de alto potencial carcinogênico.

Essa substância está relacionada a diversos transtornos de ordem imunológica, assim como a comportamentos, em crianças, que caracterizam Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Azorrubina – E122

Também chamada de Carmoisina, Vermelho Ácido 14 ou Vermelho Alimentar 3, é utilizada para conferir coloração vermelho-amarronzada a vários alimentos, como produtos de padaria, bebidas, doces e gelatinas, frutas e vegetais em conserva, iogurtes e pudins instantâneos; é muito usada na produção de suco de uva.

Foi proibido nos Estados Unidos por falta de estudos que comprovem sua segurança. Pesquisas demonstram seu efeito negativo para as funções renais e hepáticas.

Ponceau 4R – E124

Também denominado como Vermelho 2, New Coccine, Vermelho Alimentar 7 e Vermelho Alimentar 102, é usado para conferir a cor vermelha a vários alimentos, como refrigerantes, iogurtes, produtos de padaria, coberturas e misturas para bolo, vinhos e sorvetes.

Os Estados Unidos, Canadá e Dinamarca restringem seu uso devido à falta de determinação de valores seguros para consumo. Essa substância também é muito relacionada à suspeita de casos de TDAH.

Vermelho 40 – E129

O Vermelho 40,Vermelho Allura AC ou Vermelho Alimentar 17 é usado em aplicações onde deseja-se a tonalidade tendendo do vermelho escuro ao marrom em alimentos e bebidas, usado na fabricação de refrigerantes, gelatinas, produtos lácteos, condimentos, xaropes, doces e suplementos alimentares.

As suspeitas de influências metabólicas deste corante em casos de hiperatividade em crianças, assim como em alterações enzimáticas e reações imunológicas e seus possíveis efeitos carcinogênicos são muito debatidos e controversos. Alguns trabalhos apontam relações diretas em alguns transtornos, enquanto outros deixam lacunas entre suspeitas e comprovações, o que torna pertinente as dúvidas diante ao uso desta substância. No entanto, devido a esse impasse e a sua possível baixa toxicidade quando comparado a outros corantes que induzem a colorações similares, essa substância encontra-se liberada em países onde as outras são de uso restrito ou proibido.

Tartrazina – E102

Substância também chamada de Amarelo alimentar 4 ou Amarelo FD&C Nº 5, é utilizada para conferir a cor amarela a suplementos alimentares e vários tipos de bebidas e alimentos, como sorvetes, bolos, balas e confeitos, salgadinhos de batata, refrigerantes, bebidas alcóolicas, chicletes e gelatinas.

É uma substância largamente estudada em todo o mundo devido sua possível toxicidade e correlação com reações alérgicas graves, TDAH e hiperatividade em crianças, genotoxicidade, tumor da tireoide e urticária, podendo ser a causa de reações cruzadas em pacientes com reconhecida sensibilidade ao Ácido Acetilsalicílico (AAS).

Azul Brilhante FCF – E133

Conhecido, também, como Azul FD&C Nº 1, Azul ácido 9, Azul D&C Nº 4, Azul para alimentos Alzen Nº 1. Azul Atracid FG, Erioglaucina, Azul Eriosky, Azul patente AR, Azul de Xileno VSG, sua coloração original azul ou verde, quando em combinação com Tartrazina, é frequentemente encontrado em sorvetes e picolés, doces, ervilhas enlatadas, preparações para sopas, bebidas e produtos lácteos. Pode ocasionar reações alérgicas semelhantes as ocasionadas pela tartrazina.

Marrom HT – E155

Marrom Chocolate HT ou Marrom Alimentício 3 possui coloração similar a esse alimento, que dá nome ao corante.

Tem seu uso proibido nos Estados Unidos e, mesmo não tendo sido aprovado pela OMS – Organização Mundial de Saúde –, no entanto, o corante é usado em outros países na produção de bebidas, frutas e vegetais em conserva, biscoitos, bolos, geleias, patês, produtos de panificação, molhos, suplementos alimentares, sopas e produtos lácteos.

Essa substância altera a atividade renal e hepática, reduzindo suas funções. O mesmo ocorre para os órgãos reprodutores, com acentuada redução dos índices reprodutivos.

Negro Brilhante BN – E151

Denominado também de Negro Brilhante PN, Negro Brilhante A, Negro PN, Negro Naftol, Negro BN, Negro Alimentar 1 ou Marrom Alimentar 1, esse corante confere cores escuras entre o marrom e o preto, que, dependendo da mistura com outros corantes, podem ir do violeta ao azul marinho, sendo usado na fabricação de gelatinas, molhos de coloração marrom, misturas para bolos, snacks de cereais, farinhas, batatas e outros compostos ricos em amido.

Seu uso foi banido nos Estados Unidos, Austrália e Europa Ocidental, devido à incidência de casos de graves reações alérgicas.

Dependendo da concentração de uso pode causar sérios danos ao DNA em proporção até mesmo maior que um mutagênico muito reconhecido, o Diepoxibutano.

Vermelho 2G – E128

Conhecido também como Vermelho Ácido 1, Azogeranina ou Vermelho Alimentar 10, possui coloração rósea e é usado em produtos cárneos, como hambúrgueres e salsichas.

É um corante de uso proibido no Japão, Estados Unidos e Europa (desde 2007), devido sua comprovada ação genotóxica e carcinogênica.

Litol Rubina – E180

Denominada também de Litolrubina, Pigmento Rubina, Pigmento Vermelho 57, Carmina 6B, Vermelho FD&C No. 7, Carmina Brilhante 6B e Rubina Permanente L6B, possui colocação entre vermelho e laranja e é facilmente dissolvida e removida por óleos, sendo usada na Europa para dar coloração à casca de queijos. Mesmo sem uma quantidade máxima permitida estabelecida, continua sendo utilizada, pois essas cascas não são comumente consumidas, o que determina que o uso do corante não possui um grande impacto sobre a saúde do consumidor. No entanto, seu uso é proibido nos EUA, Austrália e Japão.

Estes são somente alguns exemplos das muitas substâncias – e suas combinações – usadas com objetivo corante em muitos dos alimentos ingeridos diariamente pela população.

Os corantes Vermelho 2G e Litol Rubina BK, atualmente de uso permitido no Brasil, não possuem valores estabelecidos de IDA (Ingestão Diária Aceitável – a quantidade segura de ingestão de determinada substância) e de quantidades máximas permitidas, determinadas pela Anvisa, o que põe a saúde da população em risco, uma vez que dá respaldo às indústrias para usar indefinidamente esses aditivos, impossibilitando uma fiscalização efetiva.

Apesar de alguns estudos não demonstrarem efeitos tóxicos dessas substâncias, vale lembrar que as pesquisas são realizadas avaliando-se as causas e reações de uma única substância, ignorando as diversas combinações de uso industrial utilizadas em um único ou em diversos produtos, normalmente ingeridos em uma dieta normal, cujos efeitos sinérgicos, aditivos ou antagônicos podem potencializar as reações adversas, inclusive gerar novos efeitos potencialmente tóxicos ao organismo. Dessa forma, mesmo que os órgãos reguladores busquem determinar valores seguros de consumo para as diversas substâncias, é evidente que, levando em conta apenas resultados individuais de estudos, ignoram possíveis consequências de combinações entre as diversas substâncias utilizadas como corantes, e destas com outros aditivos químicos de uso comum na industrialização de alimentos, bebidas e suplementos.

A legislação na Europa, EUA e Ásia já restringiu muito a utilização de corantes sintéticos em produtos alimentícios, forçando as indústrias a buscarem alternativas naturais de coloração de seus produtos. Essa é uma tendência mundial na busca por alimentos mais saudáveis, no entanto, bate de frente a interesses econômicos e, obviamente, políticos, o que deixa os passos mais curtos nessa caminhada rumo a uma mesa limpa de cores, sabores e texturas, muitas vezes agradáveis aos olhos e sensações, mas tóxicas demais ao corpo.

.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *