GeralVia Poiesis

Colecionadora de tarefas

(Uma crônica de Joceane Priamo)

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Todos os dias o despertador toca às 5h e Alcione salta da cama atrasada, o sono nunca é suficiente para aliviar o seu cansaço. Automaticamente, calça os chinelos que sempre estão ao lado da cama, faz um coque nos cabelos despenteados, aquece a água para o café, recolhe os brinquedos do chão, prepara a mesa para reunir a família, coloca as roupas para lavar, dá um beijo em seu esposo, toma um banho, arruma a cama, acorda os filhos, serve um Nescau com cereal, separa os materiais e o lanche para levarem à escola, dá comida para o cachorro. Engole um pão com café e sai apressada, passa o sinal amarelo, buzina para os carros que andam devagar, deixa as crianças na escola, segue para o seu trabalho.

Ao meio dia, busca os filhos e volta para casa. Coloca o arroz e o feijão cozinhar, enquanto prepara a carne, quando dá tempo faz a salada, depois chama a família para almoçar. Estende a roupa no varal, recolhe os pratos da mesa, troca a água do cachorro, joga a bolsa no carro, acelera, volta para empresa onde trabalha, fala mal do trânsito, do clima e das tarefas acumuladas.

Quando encerra o expediente, vai até o mercado, depois corre para casa. Lava louça do almoço, varre, passa o aspirador, passa pano no chão, esfrega o piso, passa a roupa do dia anterior, organiza os armários, limpa os banheiros, dá água para as plantas, recolhe o lixo, faz a tarefa com os filhos. Às vezes, pensa em parar e descansar, mas percebe que já está na hora de começar o jantar. Então cozinha, serve, guarda tudo no lugar e limpa tudo novamente.

Assim, passam os sete dias da semana, os trinta dias do mês e os trezentos e sessenta e cinco dias do ano, até que um dia Alcione se vê cansada. Ninguém se importa, ninguém agradece pela sua dedicação, todos estão acostumados com ela fazendo tudo o tempo todo.

Ela não ri, não sai com o esposo, não liga para as amigas, não solta os cabelos, não pintas as unhas, não toma vinho, cerveja ou chimarrão, não assiste filmes, não faz caminhada, não vai à missa, não se balança na rede, nem fica sem fazer nada. Ela é a esposa perfeita, a mãe dedicada, a empregada invisível da casa e a mulher esquecida. Coleciona tantas tarefas que deixa de lado os verdadeiros prazeres da vida.

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