Festival de Música Sonata inicia em grande estilo
Cantata dos Posseiros emociona e encerra turnê com desejo de bis.
Por Leandra Francischett
Um feito histórico para o meio artístico tanto para a região Sudoeste do Paraná, quanto para o Brasil. A Cantata da Revolta dos Posseiros encerrou sua turnê de sete apresentações com o concerto de domingo, dia 5, em Francisco Beltrão, marcando a abertura do 10º Festival Internacional de Música Sonata Francisco Beltrão, no Teatro Eunice Sartori.
“Ficamos muito felizes e com orgulho de Francisco Beltrão, pela capacidade de produzir arte. Cultura é uma forma de crescermos intelectualmente e até materialmente. Isso exige organização, vontade, e só acontece porque alguém fez a frente”, disse Antônio Pedron, vice-prefeito, sobre Roniedson Rebelatto e família, idealizadores deste evento.
Pedron completou: “A presença da comunidade é um estímulo”. Ao comparecer nas apresentações, praticamente lotando os teatros e clubes da região, o público confirmou a importância de realização de espetáculos como este. Roniedson destacou: “Estamos criando nossa tradição nesses eventos”. Ele agradeceu aos patrocinadores e à sua família, especialmente à esposa Dotsy: “Agradeço o apoio, por realizarmos tudo juntos sempre”. Dotsy é diretora pedagógica do festival e corista da Cantata; estava lindamente caracterizada de posseira. Ela disse ter ficado surpresa com a “casa cheia” em todas as apresentações, bem como com a demonstração de carinho do público. “Pura emoção pra orquestra, cantores e público.”
O filho Etcheverry Santi Rebelatto, diretor artístico do festival e solista da Cantata, expressou a energia dos momentos históricos através de seu canto. “A cantata é um pedaço da nossa história, literalmente; foi composta pelo Felipe Radicetti, através da música. É dramático, porque foi um período muito complicado. Então, requer muito dessa energia. Eu busco imprimir na minha voz essa questão energética, porque não é uma musiquinha suave, muito pelo contrário.” A obra foi interpretada ainda pela Camerata Solare, de Maringá, uma formação orquestral de cordas, flauta, clarinete e piano, regida pelo maestro Yonan Daniel, que veio da Espanha.
Roniedson reconheceu também o empenho do jornalista Ivo Antônio Pegoraro, vice-presidente da Coperarte e um dos principais pesquisadores da Revolta dos Posseiros.
O festival é uma realização da Cooperativa de Arte de Francisco Beltrão (Coperarte), Sonata Centro de Artes e Ministério da Cultura e tem ainda parcerias locais, como Fistarol, Simonetto, Bons Negócios, Ítalo, Grupo Krindges, Vitral Sul, Acefb, Muralha Empresa Contábil, Alcast, Rumo e Cleimar de Carli.
Um provável retorno
O compositor Felipe Radicetti, autor da Cantata, estudou mais de 20 obras até fazer esta poesia cantada. Ele disse estar emocionado com a repercussão e agradeceu a todos os envolvidos, por darem vida e por tornarem a obra “muito maior”. A Cantata foi idealizada em 2019 e não deve parar de ser divulgada. “Outros municípios serão contemplados. Teremos que voltar”, garantiu Roniedson, presidente da Coperarte.
“Muitas pessoas que assistiram têm uma ligação histórica muito próxima. É uma história viva. Em alguns lugares, como em Verê, havia no público várias pessoas que participaram de alguma forma com a revolta”, completou.
A presença feminina na Revolta dos Posseiros
Por Leandra Francischett
Em sua pesquisa, o compositor Felipe Radicetti conversou com algumas mulheres que participaram da Revolta dos Posseiros. “Elas são representadas a partir de minhas impressões, confrontado com a objetividade dos fatos e das subjetividades, dos símbolos e traduções emocionais que surgiam nas conversas à mesa com café e bolo, aqui em Francisco Beltrão. Por isso a Cantata reserva um movimento para dar voz e presença a essas mulheres incríveis. Diante de tudo, acrescentei aos versos finais um depoimento de uma argentina que conheci durante as gravações de um disco em Buenos Aires em 2012; ela comentou em público sobre seu relacionamento amoroso já em vias de terminar, dizendo aos presentes: ‘No amor não cabe covardia’.”
Durante o tempo dedicado à pesquisa bibliográfica em livros e jornais de época, como Correio da Manhã e a revista O Cruzeiro, assim como a pesquisa de campo, Felipe entrevistou, em Francisco Beltrão, Lourdes Lago, juntamente com Otercílio Salvatti e com Zélia, enfermeira que conheceu e trabalhou por longo tempo com o Dr. Walter Pécoits.
“Falei também com a Mirna Pécoits. Todos os depoimentos corroboraram os fatos informados nas fontes bibliográficas, ou seja, houve mulheres que se envolveram diretamente na luta, como a personagem Paula, que jurou vingar o assassinato do marido e abateu dois jagunços que tentaram assaltar a casa dela. Dona Manuela Pécoits sabia atirar muito bem e cumpriu um importante papel no apoio ao engajamento direto do Dr. Walter Pécoits. Há ainda as anônimas, cujas ações e participação não foram documentadas. Ainda assim, baseado nos registros, considerei os dados suficientes para inscrever a participação das mulheres no levante agrário do sudoeste paranaense.”
Confira a entrevista:
Como foi a participação das mulheres na revolta?
Felipe Radicetti: O que os registros e a documentação revelam é que as mulheres não tiveram apenas participação indireta ou de apoio aos homens. Algumas, como o caso da Paula, tomaram parte diretamente na luta armada que estava estabelecida antes dos eventos de outubro de 1957. Paula, viúva, pegou em armas e enfrentou os jagunços. Algumas viúvas enfrentaram a opressão dos jagunços de outra forma, indo munidas apenas de coragem, buscar os corpos dos maridos assassinados em locais dominados por eles.
Quais lembranças elas têm deste período?
Creio que o depoimento delas é o mais importante. Ainda há sobreviventes do período que podem ser depoentes, ainda hoje, das experiências vividas e, mesmo que a memória possa falhar, os sentidos permanecem. O que depreendo das entrevistas realizadas é que elas têm uma grande disponibilidade em compartilhar suas lembranças. Mais do que isso, fica muito evidente que todos mantém um vínculo muito forte com os fatos ocorridos em 1957. Há um orgulho de natureza comunal, que produz sentidos de pertencimento a uma histórica comum e a percepção de que foram testemunhas e partícipes da história do sudoeste paranaense. Não é pouca coisa. É um fato social total.
Como elas estão representadas?
Anos depois, escrevendo a cantata e refletindo sobre as nossas posseiras, parafraseei o depoimento daquela argentina ao final de todos os versos:
Paula jurou vingar o marido
Já Manoela sabia atirar
Outras ousaram, buscar os corpos
Daqueles que já não podiam lutar.
As mulheres, por tantas vezes
Resistem a toda opressão
Resistem com juras e balas
Ao lado dos homens em rebelião.
Paula abateu dois jagunços
De quantos vieram assaltar
Se o malho da guerra esmurra a soleira
Olha a posseira que vai enfrentar.
Vítima da força bruta
O ódio arderá todo dia
E forja a mulher que não foge à luta
Na guerra e no amor não caberá covardia.
Foto: Felipe Radicetti, compositor da Cantata dos Posseiros, prestigiou o concerto que marcou a abertura do 10º Festival Internacional de Música, em Beltrão. Foto: Leandra Francischett.