Incêndio na privada
(Joceane Priamo)
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No quieto vilarejo de Altaneira, nono Valdir acordou com o coração pesado. Sua filha mais velha, seu braço direito, havia fugido com o noivo. O choque rapidamente se transformou em raiva. Ele sempre esboçava planos para o futuro dela, mas agora tudo parecia desmoronar. Enquanto olhava pela janela, suas mãos tremiam de indignação. Como ela pôde fazer isso? A raiva crescia dentro dele de maneira incontrolável.
Em um acesso de fúria, ele soube pela esposa que a sua filha saiu à noite alegando uma forte disenteria e não retornou do banheiro que ficava separado da casa. Ele saiu para o quintal e, em um momento de completa loucura, decidiu que a privada externa precisava ser queimada — uma forma de expurgar qualquer lembrança daquela noite fatídica. Com um fósforo na mão e um combustível improvisado, ele acendeu o fogo. As chamas subiram, dançando sob as nuvens, enquanto ele murmurava palavras de desapontamento.
Observou as labaredas se alçarem, o fogo não consumiu apenas o banheiro, mas também o seu orgulho. Esse ato era um grito silencioso de um pai ferido. Ao ver a fumaça subir, um misto de alívio e desespero tomou conta dele. Ele havia perdido a filha e, agora, também a latrina recém construída. À medida que o fogo crepitava, ele começou a questionar a própria situação. O que ele estava fazendo? A imagem de sua filha fugindo com o noivo se misturava à cena surreal das chamas.
Enquanto lutava com seus pensamentos, um estalo interrompeu a indignação, as chamas começaram a dançar com o vento e uma faísca voou até o galinheiro que ficava próximo do incêndio. O fogo se alastrou rapidamente, criando uma nuvem de fumaça que se espalhava pelo local devorando a madeira velha e os fardos de palha. A mistura de medo e confusão tomou conta de todos. Os gritos de pânico ecoaram pela casa, enquanto o nono Valdir lutava para entender a gravidade da situação.
Apagar o incêndio se tornou um obstáculo, e cada segundo parecia uma eternidade. Nona Ana e as filhas pegaram baldes de água e, arremessavam em direção ao fogo. Os vizinhos vendo àquela imensa nuvem de fumaça correram ajudar. Depois de uma multidão reunida a água se misturou com as chamas, criando uma explosão de vapor, e finalmente, o incêndio foi controlado, mas não sem deixar suas marcas: o banheiro, antes um refúgio de paz, agora era um lembrete vívido da fúria. O galinheiro que era o abrigo das galinhas se tornou um tapete de cinzas. E o pior de tudo isso, era contar para quem veio socorrer como tudo começou. No fundo, o nono Valdir sabia que a vida continuava, mesmo que de forma bem mais quente do que esperava.
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