Muita forma e pouco conteúdo
É com muito pesar que anuncio: a criatividade está morta. Ou, pelo menos, respirando por aparelhos. Acredito que já disse por aí, um milhão de vezes, que em alguns momentos da vida já cheguei a conclusão de que preferia ter nascido em outra época. E, acredite quem quiser, cheguei a essa mesma conclusão quando parei para analisar o que era e o que se tornou a publicidade brasileira: é a mesma coisa do que assistir um jogo do Campeonato Brasileiro e outro da Premier League, da Inglaterra. Parece outro esporte.
Hoje em dia, com todo o respeito, tudo se tornou refém de cliques, métricas, gatilhos digitais. Estratégias frias onde se esquece de que se fizermos bem feito, consequentemente depois vai vender. Agora, se quer fazer e vender ao mesmo tempo. E a publicidade, antes tão aplaudida, virou incômodo em muitos casos – sempre salvando as excessões, que sempre existem e existirão. Hoje me deu saudade da propaganda quente, de coração, de alma. Onde a falta de recursos da época obrigava o conteúdo a valer mais do que a forma. E, hoje, em meio a mil recursos tecnológicos, é disso que se sente saudade.
Começo a me lembrar dos livros que li e das entrevistas que vi, principalmente do Washington Olivetto – provavelmente o Papa (ou um deles) da história da propaganda brasileira e, quem sabe, até mesmo mundial. Ele, que começou a carreira nos anos 70, explodiu nos anos 80 e 90 e entrou para a história. Naqueles tempos, como ele mesmo sempre contou, a propaganda não era só uma chatice que a gente tentava pular a todo custo em um vídeo no YouTube. As pessoas paravam pra ver, virava comentário, cultura popular, se tornava eterno. E se tornou mesmo, afinal, quem não se lembra do Garoto Bom-Bril? Muitas peças dessa época foram criadas e veiculadas quando eu, particularmente, ainda nem havia nascido. E até hoje, 20, 30, 40 anos depois, são as primeiras a serem lembradas.
Mas muito além das ideias geniais, o que mais me marca nessas campanhas premiadas é uma palavra que anda muito esquecida: simplicidade. O comercial das torneiras Deca – o primeiro da carreira do Washington, e que de cara já lhe rendeu um Leão de Bronze – foi um primor de simplicidade. O cenário? Uma torneira pingando, uma câmera em super close, uma mão para fechá-la e tudo isso apenas ao som de uma locução marcante. Só, nada mais. E aquele lendário filme de dois minutos e pouco, no intervalo de uma edição especial do Fantástico que falava sobre a paz? Uma tela inteiramente branca (que aos poucos ia se transformando numa bandeira branca tremulando), mais uma locução marcante e nada mais. Sem grandes efeitos, sem produção milionária, sem artifícios exuberantes. Simples, simples e simples. Premiado, premiado, premiado. E, mais do que isso: marcado para sempre.
Romantismo a parte, me entrego a ele. Sou, sim, um publicitário romântico – talvez mais na profissão do que na vida – saudoso do tempo em que tudo era mais simples e mais extraordinário, onde as ideias eram premiadas e valorizadas, quando a gente se arrepiava a cada intervalo.