Teorias & Fatos Históricos

NIETZSCHE ATUALIZADO: A MORTE CHEGOU AO INDIVÍDUO

O filósofo alemão Nietzsche causou e ainda causa polêmica por seus escritos ácidos. Entre suas frases mais citadas, sem dúvida, “Deus está morto!”, causa grande estrondo – devido à falta de interpretação, já que Nietzsche não falava em morte física nesse caso, mas a morte dos valores cristãos, e assim, naquele contexto histórico de uma Alemanha do século XIX, a religião (no caso, o cristianismo), lentamente ia saindo da vida dos sujeitos, ou seja: os ritos, fábulas, as ideologias, a igreja em si, tudo ia perdendo força, e, portanto, Deus seria morto pela descrença – importante frisar que era o espírito (ou a mentalidade se preferir) de uma época que Nietzsche estava explicando, e não seu ateísmo. Essa frase nietzschiana surgiu em seu livro A Gaia Ciência (citada três vezes), e retornou a epígrafe em sua obra magna: Assim falava Zaratrustra.

O sujeito visto de maneira isolada era apenas uma peça de uma grande máquina, de um colosso conhecido por “humanidade”. Era um indivíduo jogado as traças. Um animal pensante, mas sem valor algum. “No tempo do Império Romano, crianças doentes e idosos inválidos eram deixados nas estradas frias para agonizar e morrer”, explica José Pio Martins. Porém, quando Santo Agostinho há 16 séculos colocou o indivíduo lá no meio do cosmos, com o intuito de fortalecer a noção de proteger, valorizar e respeitar o ser humano, o mesmo ganhou “ares divinos”. Cada pessoa, na perspectiva agostiniana, era único, uma criatura tanto com intelecto quanto com alma. Séculos voaram, e numa Inglaterra com ideias liberais se voltaram contra os déspotas, dando a entender que o Estado estaria abaixo do sujeito. A valorização do indivíduo foi resumida numa frase de Margaret Thatcher: “Não conheço essa tal sociedade; eu conheço os indivíduos.”

Eis que o sujeito voltou a ser ignorado, e pelo recorte histórico, podemos mencionar o regime soviético com a ideologia comunista em voga, com seu estopim em 1917. Coletivizar e ignorar o indivíduo. Apenas o coletivo importava, e não o que cada um pensava. Mas, décadas depois, o ditador Stalin, com seu stalinismo, sufocou de vez a ideia de indivíduo. A ideologia extrema explanava que os filhos pertenciam ao Estado, e não aos pais. A juventude deveria servir ao “bem” comum, onde o sujeito perdia sua identidade e era fundido ao coletivo. O nazismo também pregava essa noção de coletividade exacerbada e abraçar a juventude era essencial – mais fácil domar mentes precoces, o mesmo modelo das religiões/doutrinações fundamentalistas, por isso os regimes que, como o comunismo (esquerda), stalinismo (esquerda), fascismo (esquerda ou direita) e nazismo (direita), são religiões históricas/políticas, moldando o coletivo desde cedo, em nome de uma “verdade” só, uma doutrinação político-ideológica. No regime macabro de Stalin, cerca de 20 milhões de indivíduos (que faziam parte do povo soviético, inclusive) foram exterminados, em nome da coletivização completa dos sujeitos – pensar diferente do partido era igual morrer. Em 1956 um membro do Partido Comunista, abriu o bico, falando ao mundo sobre os extermínios no regime stalinista. Seu nome era Nikita Kruschev.

As idas e voltas no historiar nos parágrafos anteriores têm a função de situar a leitora e o leitor com nossa realidade atual. De acordo com José Pio Martins, estamos numa era de Morte do Indivíduo. Se antes Deus morreu, hoje, o sujeito morre. E que tipo de morte é essa? Literal? Simbólica?

No Brasil, por volta de 60.000 indivíduos são assassinados a cada ano. Número brutal que supera muitas guerras recentes. São mortes reais, literais. Essas matanças deveriam causar indignação, sem dúvida – no entanto, essas vidas ceifadas são mescladas a nação, onde um sujeito morto a mais, não faz diferença. Se coletivizou a ideia de morrer, e a morte, passou a ser banalizada de vez, pois se tornou um cotidiano que “ninguém” liga. Nesse sentido, a morte vai além da física, ela se torna simbólica. Tanto faz se fulano morreu ou ciclano, no conjunto, são ignorados. Martins adiciona: “Eu não valho nada, você não vale nada. Somos todos descartáveis.”

Se Deus foi morto, o sujeito morreu de vez também – em nome do eclipse da coletividade absoluta do indivíduo.

Referências bibliográficas e periódico:

MARTINS, José Pio. A morte do indivíduo. Leituras na história, São Paulo: Escala, ed. 101, p. 46-47, 2017.

NIETZSCHE, Friederich Wilhelm. A Gaia ciência. Trad. Antonio Carlos Braga. 2. ed. São Paulo: Escala, 2008. (Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, v. 45).

______. Assim falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Trad. Ciro Mioranza. São Paulo: Escala, [2007?]. (Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, v. 1).