GeralVia Poiesis

O acaso de um dia qualquer…

(Uma crônica de Cláudio Loes)

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O dia estava muito frio e resolvi caminhar. Caminhar para mim é um prazer indescritível. Muitas vezes, os passos iniciais são lentos, mas depois a paisagem aqui e ali vai aguçando aquela curiosidade de criança. Quando vejo, já estou longe.

Nesse dia, troquei de rota e, ao invés de ir na direção do interior, fui para o parque. Estava com um pouco de névoa e, numa primeira volta, descobri que o parque era todo meu e dos patos na lagoa. Para um final de semana era estranho, mas continuei dando minhas voltas.

Já tinha passado por um banco de praça que fica próximo da bifurcação da pista de caminhada e resolvi parar, imaginando estarem ali pessoas olhando para o lago calmo e sereno. Um espelho que refletia um céu cinza.

Pensei em quantas pessoas poderiam estar aí e não estavam. Talvez algum idoso como eu ficasse sentado vendo os caminhantes passarem. Poderia lembrar dos tempos de mais jovem, quando na pista passava correndo a plenos pulmões.

Nada e nada, só um joão-de-barro veio procurar algum alimento na grama úmida e resolvi registrar a cena. Uma tradução de todo esse vazio que eu sentia ali. Um vazio de quem, mesmo com mais idade, ainda teima em sair nos dias mais frios.

Pronto! Algumas fotografias de vários ângulos do mesmo banco à beira da pista de caminhada, de frente para o lago.

Continuei e dei mais voltas pelo parque. Quando o relógio apontou mais de oito quilômetros voltei para casa.

Alguns dias depois, escrevi um pequeno poema de quatro versos. Poderia até, com algumas modificações, virar uma trova. Deixei-o assim, com versos livres:

No inverno da melhor idade

uso o cobertor das lembranças

para aquecer a saudade

e não desamparar as esperanças.

Tenho uma parede pintada de preto, no escritório, que recebe sempre de bom grado algum verso, uma ideia, alguma inspiração que vem visitar, repentinamente.

Bem, os versos ficaram na parede e, dias depois, lembrei-me da fotografia do banco. A fotografia e o poema foram combinados numa arte única. Gostei do resultado e acabei enviando pela lista de distribuição pessoal dos meus poemas e divulguei nas redes sociais.

Os comentários foram os mais diversos. Um dizia que eu era muito pessimista, que me sentia muito velho. O outro dizia que eu estava lindo e romântico. Outro, que estava poético e filosófico. Enfim, muitos elogios e posições diferentes.

Um comentário deixou uma inquietação no ar. Como a imagem não tinha ligação direta com algum elemento do poema, a pergunta foi: seria o banco vazio a solidão de alguém sozinho caminhando no parque? Já pensei muito sobre essa pergunta, quem a fez não estava comigo no parque, mas me conhece. Seria essa a intenção que ligou toda essa arte, acontecendo em momentos distintos?

Para mim, o banco vazio também traz a oportunidade de ser ocupado, uma boa conversa, conhecer alguém diferente. O que está meio vazio é sempre melhor, dá esse espaço para o diferente. Meio vazio porque eu estava lá e poderia, depois, ter sentado e ficado a espera de alguém passar. Devo confessar que estava muito frio para fazer isso.

Nos versos, a ligação com o tempo mais frio e essa distância dos anos que passam leva também a outra direção. Não preciso, pessoalmente, estar passando por tudo isso. Posso trazer algo que muitos, já idosos e/ou esquecidos num canto, não têm como dizer a outros. Ser invisível para a sociedade é uma solidão muito dura.

Vou aproveitar e sugerir uma prática rápida que você pode fazer na semana. Da próxima vez que passar a coleta de lixo, fique esperando na rua e cumprimente o gari. Talvez eu possa errar, mas todos que cumprimentei, até hoje, saíram mais alegres do que quando chegaram. O gari é tão invisível quanto muitos idosos abandonados por aí.

Poderíamos levantar muitas outras possibilidades de intenções e juntar mais interpretações dos leitores. Vou terminar lembrando que nem sempre o autor de uma arte está vinculado concretamente a ela e que ao mesmo tempo esta ligação não fica muito clara. Isto é, se existe ou não. Mas a arte sempre será uma oportunidade para sentar-se no banco da vida, olhar mais longe, dialogar e deixar a solidão ser somente uma palavra do dicionário.

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