Pré-disposição para o confronto!
Dom Edgar Xavier Ertl – Bispo da Diocese de Palmas-Francisco Beltrão
Se tivéssemos pré-disposições para a prática do amor, da verdade, da liberdade, da justiça, da comunhão, da vivência harmoniosa entre familiares, amigos e concidadãos, como temos para o confronto, a confusão e a intolerância, quem sabe seríamos mais felizes, cristalinos e saudáveis. O que está acontecendo com o ser humano? Por que a ordem dos valores está se invertendo a cada década? Por que estamos estabelecendo limites irracionais nos relacionamentos, tratando o outro como “possível inimigo”? Enfim, tenho mais perguntas que respostas ou talvez, uma reflexão antropológica e sociológica do momento presente mais objetiva. Falta-me, assaz, uma radiografia mais atualizada para observar o contexto que atravessamos, oxalá, somos todos vítimas desta interminável pandemia!
Sobre os incidentes ocorridos em Curitiba, numa das Igrejas, a Igreja do Rosário, recentemente, não vou entrar no mérito do fato, dado os tantos episódios que ocorreram e ocorrem na sociedade em geral, alguns com maior relevância, outros nem sequer noticiados.
A pré-disposição para fulminar o inimigo é antiga. Entre inúmeros exemplos clássicos na literatura bíblica, escolhi um para iluminar os momentos obscuros do tempo presente. Vamos à Palavra de Deus. Jesus está a caminho de Jerusalém, podemos dizer a caminho do calvário, da cruz, do caminho para o céu. Enviou à sua frente alguns mensageiros. Eles foram e entraram numa aldeia de samaritanos para prepará-la. Mas estes não o receberam, porque se dirigiam a Jerusalém. Ao verem isso, os discípulos Tiago e João perguntaram a Jesus, o Mestre: “Senhor, queres que façamos cair fogo do céu para destruí-los?”. Jesus se voltou e os repreendeu (cf. Lc 9, 51-55).
São espontâneas as reações!
A reação dos discípulos é de cunho profético. Obviamente que eles queriam justificar a ofensa feita àquele que é mais que profeta. Não admitiram que Jesus fosse tratado deste modo. A reação é quase normal. Talvez ainda não tinham entendido qual fora a missão dele. Todavia, Jesus tranquilamente segue para outra aldeia. Este Homem não veio para destruir vidas humanas, mas para salvá-las. Os discípulos, vimos no início desta narração de São Lucas tropeçam diante dos samaritanos e não são acolhidos, porque haviam rancores entre judeus e samaritanos. Os samaritanos não tinham uma postura amistosa para com os judeus.
Os samaritanos tinham seu templo no monte Garazim e não reconheciam o de Jerusalém. Os contextos são distintos, mas os incidentes se repetem, inclusive na esfera eclesial, política, familiar e entre as diferentes instituições. Quando nos falta cultura histórica, social, bíblica, teológica e eclesial, qualquer opinião, mesmo gravada dentro de um carro, num parque, parece ser a única verdade! Pululam palpiteiros sem biografia, profetas sem causa e juízes sem toga nas redes sociais e tantos outros meios de comunicação.
“Senhor, queres que façamos?”
Ouçamos outra vez a pré-disposição dos discípulos de Jesus diante da resistência dos samaritanos em acolhê-los: Ao verem isso, os discípulos Tiago e João perguntaram: “Senhor, queres que façamos cair fogo do céu para destruí-los?” Em seu caminho para Jerusalém, Jesus é o mestre supremo para seus discípulos, suas testemunhas, sobre o sentido de seu caminho. Nem a jornada de Jesus, nem a do cristão ou não cristão do Séc. 21 estarão isentas de tribulações. Diante da rejeição dos samaritanos, Jesus recomenda a não retaliação de seus discípulos. Jesus cumpriu a vontade de Deus apesar de toda a oposição. Jesus não instrumentalizou a hostilidade dos samaritanos. Noutras passagens, ao contrário, elogia-os pela hospitalidade. “Não desejo o consenso, não provoco o dissenso, apenas procuro um senso”. Assim, um sacerdote se defendia de seus acusadores. Que seja essa a nossa pré-disposição diante de tantos incidentes como o de Curitiba, ao Capitólio nos EUA e outros.