Quando deixamos de ter medo?
(Uma crônica de Joceane Priamo)
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Quando eu era criança tinha pavor do escuro. Lembro-me que na hora de dormir minha mãe apagava a luz e meus medos me atormentavam, eles eram tão grandes que eu enfiava a cabeça embaixo dos lençóis para que nenhum monstro saísse debaixo da cama me pegar. Imóvel, quieta, encolhida, ficava imaginando o que poderia ter atrás da porta, no guarda-roupa ou até mesmo se existia alguma alma penada atrás da cortina. Depois de algum tempo, cansava de criar essas cenas. Imaginava tantas situações de perigo que logo pegava no sono.
Acordava dizendo ter medo de dormir sozinha no escuro, minha mãe dizia que eu já era grande e corajosa, não tinha nada a temer, os medos surgem para que possamos aprender a enfrentá-los. Naquela época eu deveria ter uns seis anos, não via a hora de crescer, viver livre dessa aflição. Hoje, tenho meus trinta e poucos anos, sei que realmente sou grande “adulta” e corajosa, mas ainda sinto medo e muitas vezes não sei o que fazer. Mesmo eles aparecendo durante a claridade do dia, ainda vivo momentos de escuridão e as assombrações invadem minha mente. O temor não está mais escondido nos móveis de um quarto escuro, mas na correria do dia a dia, no excesso de compromissos, nas atitudes que trazem insegurança, na suposição do fracasso, está nas vestes daquilo que pode ou não acontecer.
Descobri que assim como eu, todos têm medo. Ele é primitivo e pega a gente em algum momento da vida. Seja o medo do homem do saco, de barata, de ser assaltado, de altura, aranhas, cemitério, caixão, avião, da sogra, de envelhecer, do desconhecido, entre outros exemplos, o medo nos persegue. Desde a mitologia grega, Fobos é o deus do medo, é filho de Ares e Afrodite, irmão gêmeo de Deimos. Fobos simboliza o temor, ele acompanhou o seu pai nos campos de batalha, injetando nos corações dos combatentes inimigos a covardia e o medo que os fazia fugir, como se estivesse diante de um fantasma.
O medo continua sendo um monstro que faz visitas de várias maneiras, independente da idade, surge em forma de pessoas, de notícias, de traumas ou de algo que a própria cabeça criou. É um fantasma, aparece do nada, consegue paralisar sem que saibamos o porquê. Acompanhado pelo pânico, ele traz a confusão mental e a sensação sufocante da morte. O peito fica apertado, falta ar para respirar, as mãos suam frio, e o coração pulsa acelerado, convencendo-o de que irá infartar.
Nessas horas, o grito de Edvard Munch retrata uma alma aprisionada num verdadeiro filme de terror. A obsessão rouba a coragem de viver, sem ânimo para lutar, vem a angústia indefinível lhe confrontar. A vontade é de fugir, porém, não sabe para onde, parece que as pernas pesam toneladas e não conseguem sair do lugar. Diante da euforia que o mundo vai acabar, o pensamento tem a certeza que a morte se aproxima. A partir desse momento o medo conseguiu ter controle sobre a vida, tornando-o escravo dele. Deixamos de sair de casa, ir trabalhar, passear, e nos isolamos da realidade, com a ideia perturbadora de que algo muito ruim pode acontecer.
Daí surgem as perguntas: o que fazer? Como enfrentar? Deixar o medo roubar os meus/os seus sonhos ou encontrar coragem para enfrentar? A cura está na eterna ação de buscar; se tudo der errado, faça como Raul Seixas: tente outra vez. Sempre há tempo para recomeçar. Não deixe de amar por medo de se machucar, nem pare de viver com medo de morrer. Se for parar, pare de fugir. Se o medo insiste em lhe visitar, olhe para ele, reconheça-o e vá com medo mesmo. Você encontrará a coragem toda vez que decide levantar a cabeça, e escolhe continuar…
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