Peripécias de um aventureiro
(Joceane Priamo)
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Nono Valdir chegou ao interior do Paraná de carroça desde o Rio Grande do sul, acompanhado de sua esposa, dona Ana e seus onze filhos, foram morar numa pequena vila chamada Altaneira. Com seu chapéu de palha, sempre andava prevenido: carregava num lado da cintura um pacote de fumo e palheiro para manter o vício e também espantar os insetos e no outro lado um facão.
Na época que nono Valdir chegou aqui no Sudoeste, as estradas ainda eram de terra e o verde da mata cobria a região. Os vizinhos se reuniam e juntos construíam as casas, plantavam e dividiam o que colhiam. E com o nono Valdir não foi diferente, derrubam algumas árvores, nivelaram o terreno e ergueram a morada.
Algo importante não podia faltar nas residências: o porão. Sim, o porão era um lugar sagrado, onde guardavam de tudo, penduravam os salames para secar, sovavam os pães, armazenavam as sementes e quando a filharada incomodava demais nos dias de chuvas, lá era um bom lugar para se esconder, tirar um cochilo e descansar. Depois da sesta, o nono colocava a criançada trabalhar: debulhar milho para fazer canjica no pilão, fazer torresmo, preparar a banha, escolher feijão, além de aproveitar a temperatura agradável do lugar para o período mais esperado do ano que era a colheita da uva, amassavam com os pés, depois deixavam no porão para maceração.
Filho de ferreiro, nono Valdir aprendeu com o seu próprio pai a criar o transporte mais utilizado na roça, fez a sua própria gaiota e todos os finais de tardes subia os morros da Altaneira buscar pasto para as suas duas vacas leiteiras que ganhou de presente de casamento: a Valquíria e a Mimosa. Ele dificilmente andava sozinho, nunca foi um pirata dos mares, mas em terra firme quase sempre tinha o papagaio no ombro, o Loro, que voava livre e o acompanhava em suas andanças.
Não foi difícil a adaptação, o nono de hoje naquela época era um grande aventureiro, em pouco tempo já ficou conhecido por suas múltiplas vocações: ele além de cultivar a terra, possuía habilidades natas, os moradores logo o elegeram como leiloeiro, porteiro do cemitério, sineiro da anunciação, bodegueiro da igreja.
Você deve estar pensando como o nono desempenhava tantas obrigações? Calma! Não tenha pressa, a história é longa, mas já vou dar um jeito de encurtar. Eu te contei no início da narrativa que ele tinha onze filhos, certo? Ele colocava os onze na labuta diária, enquanto isso cuidava da bodega da igreja que tinha bastante movimento e os padres incentivavam a comercialização, pois recebiam uma porcentagem de tudo que vendiam.
Quando Fulano se estranhava com Beltrano ocasionando morte no local, o próprio nono espalhava a notícia com nove badaladas do sino. Era assim que se anunciava a morte. O nono tocava três carreiras do sino grande. Ao fim das três carreiras, nove badaladas. Como não havia televisão muito menos telefone, as pessoas ouviam as batidas do sino e já sabiam que alguém tinha batido as botas. Já que o nono sempre estava no meio dos entreveros, também guardava com ele a chave do portão do cemitério, contratava o pedreiro, ajudava a fazer a cova, fazia o risoto durante o velório, rezava na missa, enterrava o defunto e se o finado tinha algum objeto de valor que a família não via serventia, o nono leiloava no final das novenas de nossa senhora.
Pode-se dizer que o nono era um bom companheiro na hora da morte, ele organizava tudo para o que os familiares se preocupassem apenas com a despedida do seu ente querido. Só teve um homem que o nono não foi bom, esse ele próprio quase o matou do coração. Para quem não é dos tempos de antigamente o uso dessa expressão significa que levou um baita susto, e mais essa peripécia do nono eu vou contar para vocês. Vale a pena prestar atenção.
Enquanto o nono estava vendendo pinga para quem era perdido no carteio, um temporal se armou, o céu escureceu dando a impressão que o mundo ia desabar.
Fechou as portas do bar e pediu que todos fossem embora para as suas casas, no meio da pressa esqueceu do Bastião estava na patente com desinteria.
Por mais que o nono corresse não conseguiria chegar em casa antes do temporal, como ele sempre carregava as chaves do cemitério resolveu esperar a chuva passar, se acomodou numa casinha que estava em construção, fez um palheiro e ali ficou desfrutando da paz entre os defuntos, enquanto isso, Bastião meio confuso e desesperado ao ver o mau tempo, acelerou o passo.
O nono que tinha o olho bom, de longe o reconheceu, quis evitar que o homem tomasse um banho de chuva e pegasse um gripão, resolveu chamar ele para se abrigar no cemitério até o tempo melhorar, mas foi só o nono Valdir gritar Bastião que o homem virou em perna, perdeu os chinelos, perdeu o chapéu, quase perdeu a alma do corpo; o medo da morte foi tão grande que o pobre homem quase morreu do coração.
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