GeralVia Poiesis

O velho do saco

(Por Joceane Priamo)

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Quem, quando criança, não foi amedrontado pelos mais velhos com cantigas e histórias não sabe o que é ter coragem precoce. Fomos desafiados desde recém-nascidos; tudo começou com as ameaças para dormir, basta observar a cantiga “dorme neném que a cuca vem pegar, papai foi pra roça e mamãe foi trabalhar”. Em seguida, tentaram desafiar a nossa confiança com a música: “Boi, boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta”.  Mais tarde, aprendemos que deveríamos comer de tudo para poder crescer, “comer, comer é o melhor para poder crescer”, imagine o receio de ser pequeno para sempre.

Desde bebês nos foram apresentadas as regras pedagógicas para desenvolver boas maneiras, uma delas era que não podíamos brigar com nossos colegas, mas nos mostraram a trágica realidade com a seguinte canção: “O cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada, o cravo saiu ferido e a rosa despedaçada”. As contradições educacionais apareciam do início ao fim, e como se não bastasse a maldade das cantigas, surgiram as histórias da Disney para deixar a vida ainda mais assustadora.

Crescemos ouvindo os contos de fadas; com a branca de neve e a Cinderela aprendemos que as madrastas eram sempre más, depois compreendemos como deveríamos fazer justiça com a estória da chapeuzinho vermelho, onde o lobo, que era mau, foi decepado pelo caçador. Vimos a Rapunzel enclausurada em uma torre por uma bruxa, que a sequestrou somente porque esta era a maneira de obter um favor de seus pais. A bela adormecida foi vítima de um feitiço. Na história da Frozen, Elsa perde o próprio controle e quase mata a sua irmã Anna.

A ideia era preparar as crianças para os perigos do mundo afora de uma maneira que elas conseguissem discernir o certo do errado, mas convenhamos, os métodos não eram os mais adequados. Cada região criava, também, as suas próprias invenções, lendas e mitos para moldar os comportamentos infantis. Eu tive medo de muitos monstros que conheci nos desenhos animados e na própria literatura. Ouvia falar do bicho-papão, da bruxa malvada, do saci Pererê, da mula sem cabeça, no entanto, o que mais me deixava apavorada era o velho do saco. Sim, eu vi o homem maltrapilho com um saco nas costas que passava recolher as crianças malcriadas.

Posso dizer que meu comportamento nem sempre foi o melhor, quando eu era pequena tinha o hábito de fugir para ir à casa dos meus avós, mas minha mãe sempre me assustava dizendo que um dia o velho do saco ia me pegar e me levar para um lugar muito distante que eu não saberia voltar.

De fato, aconteceu. Um belo dia peguei o meu gato tigrado, coloquei umas roupas num pacote de mercado e tomei o rumo da estrada. O que eu não esperava que justamente naquele momento iria encontrar um velho com um saco nas costas. Quando o vi, larguei minhas roupas, segurei meu gato apertado e corri aos gritos de volta para casa. Minha mãe já vinha ao meu encontro com uma varinha de marmelo nas mãos, eu estava tão desesperada que nem conseguia falar. Só mais tarde descobri que o pobre homem não estava carregando crianças, e sim, feijão. Tal episódio mostrou que a vida nos reserva muitos desafios quando não conhecemos a verdade. O meu imaginário conheceu o maior de todos os limites, o medo. Nunca mais fugi de casa, não sei dizer se me fez bem ou mal, mas posso afirmar que foi com a lenda do velho do saco que uma menina desobediente aprendeu uma lição.

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