Coluna PET

Os “Alimentos Alcalinos”, o Sangue e a Covid-19

Novamente, vejo necessário voltarmos a falar da Pandemia. Infelizmente, a maciça veiculação de desinformações e mentiras coloca a saúde humana – e também dos animais – em risco. Já ouvi gente atribuindo, a essas falsas teorias, possíveis benefícios, também, aos nossos animais de companhia. Tudo falso, ilusório e carente de um mínimo de lógica e bom senso.

Há muito, circulam nas redes sociais, publicações equivocadas, enganosas e até – muitas vezes – criminosas (pois coloca a saúde de muitos em risco), envolvendo curas milagrosas ou prevenções infalíveis para a Covid-19.

Desta vez, as postagens apontando determinados alimentos e suas influências no pH sanguíneo e no combate a algumas doenças, em especial Covid-19, ganharam destaque.

São mensagens absurdas, com erros grosseiros do ponto de vista básico de química, biologia… enfim, de conhecimento tão básico que sequer compreendo como muitos possam ter acreditado. Por exemplo, alegar que limão é alcalino. Alcalino? Sério? Limão é uma fruta cítrica, tão ácido – e todos sabem – que chega a retrair a gengiva.

Recebi postagens, deste tipo, de amigos formados em diversas áreas, até médicos e veterinários. E o pior, alguns fazem parte das pessoas que tentam, a todo custo, desmoralizar o sistema de ensino atual. Mas, lamentavelmente, estas pessoas estudaram nos anos 70 e 80, em pleno Regime Militar, onde, segundo os mesmos, o ensino era muito superior em qualidade. Só questiono uma coisa: “era tão superior, tão bom, e me passam uma dessas? Isso é o básico! Coisa do ensino médio! É lamentável… uma vergonha!”. Tivemos, sim, excelentes professores… assim como, hoje, também os temos. E isso deixa claro que o problema nunca fora o sistema de ensino, o problema reside, em parte, no aluno.

Em uma destas postagens absurdas, lia-se uma relação de alimentos que seriam capazes de “alcalinizar o sangue e matar o vírus da Covid-19”, inclusive sob alegação de que este – o vírus! – seria de pH ácido. Isso, obviamente, chega a ser ridículo, tamanha a carga de mentiras em uma única postagem que, logo de início, vinha com o título: “Conselhos dos hospitais para isolamento”, e seguia com diversas informações imprecisas, típico das “fake news”, até chegar ao ápice de conferir ao vírus um pH (alegado ser ácido) que variaria de 5,5 a 8,5 (pH 8,5 é ácido?); difícil imaginar como seria isto.

A sandice continua em uma total confusão e distorção em relação aos parâmetros de pH.

Certo, tudo bem… entender, realmente, o que seja pH, não é assim tão fácil… tem toda aquela história de hidrônio e hidroxila, dissociação iônica, ânions e cátions… é difícil! Mas quem passou pelo ensino médio tem a obrigação de saber… ao menos, ter uma noção do que é acido ou o que possa ser básico (alcalino). Mas… não é o que parece.

A referida postagem alega, baseado nessa falsa relação de pH do vírus, que deveríamos ingerir alimentos “alcalinos” a fim de alterar o pH corpóreo ou sanguíneo e, desta forma, impedir a replicação viral.

Eu juro… nem sei por onde começar, tamanho disparate.

Só a fim de esclarecimento, trataremos aqui, as substâncias de pH acima de 7,0 como “básicas”, que é o termo, tecnicamente, correto. O termo “alcalino”, apesar de aceito, tem gerado confusões perigosas, já que confunde o entendimento entre pH, Alcalinidade e Dureza Carbonatada (KH), que, inclusive, tem levado muitos a tomarem água com pH acima de 8,0… uma bobagem; mas já é outra história…

Bom… o texto – da referida postagem – começa citando alguns alimentos que – segundo sua ciência, possivelmente de outro planeta, tamanha a discrepância – teriam o pH “alcalino” (básico).  Cita o limão, como se tivesse pH de 8,2 a 9,9; o abacate, com seus absurdos 15,6; o alho, com 13,2; a manga , 8,7; o abacaxi, como tendo pH de 12,7; a laranja, com 9,2; e o agrião, com seu, paradoxalmente, impossível pH de 22,7.

Pois bem… quem passou pelo ensino médio, por uma faculdade (o que é mais absurdo), tem a obrigação de perceber que estas informações são grosseiramente mentirosas.

E o absurdo é tanto que basta sabermos que o Hidróxido de Sódio, que conhecemos como Soda Cáustica, tem pH de 13,5.

O pH – Potencial Hidrogeniônico – indica a acidez, neutralidade ou basicidade de um meio. Segue uma escala que varia de 0 a 14, sendo 7 a representação de uma solução neutra; abaixo deste, indica uma solução ácida e os valores acima, uma solução básica.

O limão, ao contrário do que diz a referida postagem, é de pH muito ácido (2,0 a 2,8), como também é ácido o abacate (6,2 a 6,5), o alho (5,8), a manga (3,4 a 4,8), o abacaxi (3,2 a 4,0), a laranja (3,7 a 4,4) e, também, o agrião. Outro detalhe importante, e que poucos perceberam nesta postagem mentirosa, é o fato de que a faixa de pH vai de 0 a 14. O pH pode até fugir dessa escala e passar – em situações muito específicas – o valor de 14, mas atingir um valor de 22,7 (que foi o pH atribuído ao agrião) é algo, quimicamente, impossível.

Alegar que a ingestão de determinados alimentos possa, indubitavelmente, interferir no pH sanguíneo ou corpóreo é de uma total falta de conhecimento básico da fisiologia ou da bioquímica e metabolismo orgânico.

Ao ingerir um determinado alimento, este começa, ainda na boca, com o processo de mastigação, salivação e deglutição, a sofrer transformações para que, no processo digestivo, possamos assimilar e aproveitar a maior parte de seus nutrientes. Sendo assim, ao passar pelo sistema digestório, os alimentos são metabolizados e passam por diversas transformações até seus nutrientes serem destinados a locais específicos. Não há um alimento que passe por este processo, inalterado, de forma a causar qualquer alteração a nível sanguíneo.

Nosso sangue tem um pH de 7,34 a 7,44 e sua manutenção é garantida por diversos mecanismos fisiológicos. Se fosse possível, podemos dizer que, alterar o pH sanguíneo, causaria um verdadeiro desastre metabólico com sérios prejuízos à saúde e à vida.

Existe, dentro do processo digestivo, a formação residual chamada de “cinzas”, do qual podem resultar frações denominadas alcalinógenas ou acidógenas, no entanto, mesmo em se tratando de resultantes básicos ou ácidos, por si só, não interferem diretamente no pH sanguíneo ou corpóreo.

Outra informação mentirosa, que vem surgindo de tempo em tempo, diz respeito a intolerância do Sars-CoV-2 a altas temperaturas. Algumas postagens – inclusive veiculadas por médicos – sugerem que o vírus morreria em temperaturas superiores a 26 ºC. É algo tão absurdamente tolo que bastaria perceber que a temperatura normal de nosso corpo é de 36,6 a 37,0 ºC, ou seja, dentro desta teoria absurda, jamais seríamos infectados. Enfim, estudos comprovam que o vírus Sars-CoV-2 (Covid-19) pode suportar temperatura de 50 a 60 °C.

Sei que é difícil saber em quem acreditar quando vemos médicos e outros profissionais de saúde compartilhando e disseminando mentiras, mas é fácil identificar mentiras, quando sabemos o básico. Obviamente, ninguém é obrigado a saber tudo, mas a um médico, a um veterinário ou a um biólogo ou outro profissional de saúde, faz-se necessário entender o mínimo sobre pH e é inadmissível que digam bobagens absurdas acerca da fisiologia humana ou de uma doença viral.

Ah… mas podem comer, normalmente, as frutas, verduras e demais alimentos citados… pelo menos, isso é realmente bom, só não vai alterar o pH de sangue e muito menos “matar” o vírus.