Tarde dançante
(Uma crônica de Cláudio Loes)
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A lição que se aprende na vida, quando não pela educação ou por experiência de outros, é sempre muito dura. Até pouco tempo, as pessoas eram muito ocupadas, sem tempo para nada. Convidar para tomar um chope, jogar uma conversa fora ou caminhar sem objetivo era classificado como a maior perda de tempo. Tudo ainda poderia ser feito um dia, era sempre preciso fazer outras atividades “mais importantes”.
Tive a graça de aprender algo com uma senhora muito idosa chamada Fides. Era enfermeira e estava sempre de bem com a vida. Um dia, com um pouco mais de folga, ela convidou todos para uma “tarde dançante”. Não vou esconder a minha idade, mas era isso mesmo, e tocavam discos de vinil numa eletrola. Ela preparou tudo: um vinho delicioso e salgados que davam água na boca só pelo visual.
A tarde foi espetacular e, já próxima ao fim, todos sabiam que o horário de iniciar os trabalhos começaria em breve, e a Fides pediu um minuto de atenção. Primeiro, agradeceu a todos por terem aceitado o convite e pela arrumação de tudo, incluindo louça e sala limpos no final.
Aí, ela pediu para todos não esquecerem de fazer algo fora do trivial de tempos em tempos para se sentirem bem, porque isso ajudaria a passar pelos momentos mais difíceis da vida. “Lembrar de algo bom, ajuda você a começar com uma grande vantagem, quando as coisas ficarem feias”, dizia ela.
Naquele dia, trabalhamos para valer, porque parecia que o céu havia caído. Muita chuva, acidentes, e toda sorte de confusões, inclusive falta de energia no hospital, onde, juntamente com outros, eu era voluntário. Tudo foi se resolvendo e no final, já tarde da noite, todos os corredores silenciaram para o horário de dormir. Só um ou outro choro na pediatria.
De lá para cá, passaram-se muitos anos, mais de 40, com certeza, e nunca esqueci aquela tarde com uma lição.
Caindo aqui, hoje, numa tarde nublada e um silêncio lá fora, fico pensando “por que quando temos tempo não fazemos coisas simples que nos fazem bem?”.
Fazer uma caminhada, ver um pôr do sol, apreciar uma paisagem natural, jogar uma conversa fora e sentir o perfume das flores no jardim. São coisas simples que, para muitos, faz falta, agora que as condições exigem limites maiores de convivência.
De minha parte continuo seguindo o conselho da Fides. Espero que toda esta situação atual, para muitos, quem sabe pela dor, possa ter ensinado que é sempre melhor ter “tardes dançantes” para lembrar quando as coisas ficarem difíceis.
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Quantas lições podemos ter quando damos uma pausa na vida e encontramos na simplicidade o prazer. Parabéns pela grande lição!
Obrigado, só vi agora.