Psicologia

Adoção: da gestação e parto afetivo na Adoção Tardia

Todo parto tem um “tempo” de acontecer. Do ponto de vista biológico a mulher gestou aquele bebê por 9 meses, aproximadamente. Este tempo, além de biologicamente necessário, também o é afetivamente. Entre o sonhado “positivo” e a realidade de um bebê que chora sabe-se lá por que há nove meses de espera e preparação diuturna.

Agora, quando falamos de adoção, o perfil mais desejado não é por acaso de criança até 2 anos, saudável e sem irmãos. Receber em adoção uma criança assim é praticamente equiparável a gestar e parir um filho biológico.

Primeiro porque a espera levará inevitavelmente anos!! Anos longos, de uma gestação afetiva dolorida, sofrida, expectante. Longa de anos entre o “positivo” da habilitação até a chegada deste bebê.

Se após 7, 8 ou 9 anos de espera por um bebezinho, ele chegar aos braços dos adotantes, eles estarão preparados, pela sua criação e pelo sofrimento da demora, para serem excelentes pais para um BEBÊ. Isso porque não haverá grandes diferenças entre parir ou adotar uma criança tão pequenina. Somos criados para saber fazer isso e segurar as barras da criação desses pequenos! Mas e quando falamos de adoção tardia?? Quando falamos de adoção de uma criança de 5 anos ou mais, não raro em grupos de irmãos?

Nesse caso a conversa muda muito de figura, pois não somos criados para “tolerar” uma criança que fala, faz malcriações, faz birras homéricas, “rouba” coisas dos coleguinhas de escola, que aos 8 ou 9 anos não sabe ler ou escrever o próprio nome.

Socialmente somos criados para não tolerar tais faltas nos “filhos alheios” pois isso que nos indignamos quando estamos nos corredores de um supermercado e vemos um moleque malcriando. Levante a mão aquele que jamais pensou algo parecido numa situação similar!

Então!! Imagina se este guri chegasse para ser SEU FILHO?? Então, né?? A coisa ficaria bem complicada!! Fica complicado pois somos criados para “botar reparo” nos filhos dos outros, para criticar a criação e a educação dos filhos alheios e achar feio o que não é espelho.

As crianças que adotamos em adoções tardias não são crianças que foram criadas com primor, por pais amorosos, cuidadosos e respeitosos:  elas foram tirados de suas famílias biológicas exatamente por elas carecerem de tudo isso no seu mínimo básico. São crianças que foram descuidadas, abandonadas, não raro severamente abusadas física e emocionalmente por aqueles que as deveriam amar, amar e cuidar. São elas filhas do abandono e do desamor.

Estar num abrigo, apesar de melhor, muitas vezes, que a família de origem, é como estar vivendo num quartel onde somos números e tudo é compartilhado e ninguém é visto como um indivíduo. Se antes havia mais tratos, agora eles são de outro tipo: não há família, não há individualidade.

Aqueles que querem fazer uma adoção tardia devem saber que estas são as crianças reais para adoção tardia e sua adaptação à nova família e realidade não será fácil pois elas não tem qualquer experiência em famílias ditas “normais”, logo não têm a mínima ideia de como ser um filho “normal”.

Se os adotantes foram preparados apenas para tolerarem as agruras de filhos bebês e para serem intolerantes com a falta de educação e bom comportamento de crianças mais velhas, fazer uma adoção tardia faz necessária uma prévia preparação.

Se ela não houver, se os adotantes não se prepararem para saber o que esperar, porque esperar, como entender e como agir poderá ser muito difícil e as vezes trágica a tentativa de uma adoção tardia.

Há adotantes que acreditam piamente que a criança que chega em adoção tardia lhes será eternamente grata e fará de tudo para ficar ali e não ser devolvida. Há adotantes que acreditam que será mais fácil do que se fosse um bebê com suas fraldas infinitas e choros noturnos. Há adotantes que pensam que estão dando uma chance para um “enjeitado” pois tem tempo e dinheiro para criar um “órfão”. Há zilhões de razões erradas para se fazer uma adoção tardia.

O único e exclusivo motivo para se fazer uma adoção tardia é QUERER UM FILHO e ponto final.

Uma criança com mais de 3 anos inevitavelmente necessitará de tempo para aprender a ser o filho que os adotantes teriam criado que a houvesse parido. Os adotantes, que não foram pela sociedade preparados para receber e tolerar uma criança malcriada (no verdadeiro e mais cruel sentido da palavra) nas suas proximidades e menos ainda em sua própria casa, ficam completamente desconcertados e sem ação nos primeiros momentos de uma adoção tardia.

Principalmente por que a criança, durante os pouquíssimos encontros anteriores à guarda provisória, se demonstrou um anjo de candura e educação, e agora de mostra o mais terrível dos monstrinhos.

O sonho em confronto com a realidade é destruído e a vontade de desistir de tudo não é um sentimento raro para os novos pais.

Assim, é importante que os adotantes somente mudem seu perfil para adoção tardia (3 ou mais anos) se esta for uma alteração que se iniciou dentro de seus corações e razão, após um necessário período de reflexão e estudo sobre como será este filho que chegou tarde à sua verdadeira família.

Para isso é indispensável que os adotantes participem de grupos de apoio à adoção antes, durante e após uma adoção tardia e sempre peçam ajuda para o período de adaptação.

Para que esta adoção seja o mais tranquila possível, desde o início, é necessário que os adotantes segurem sua ansiedade e resistam à vontade de trazer a criança o mais rapidamente possível para casa.

 A criança precisa de tempo para conhecer os adotantes e eles devem compreender que quando pedem para ir com eles para casa elas não sabem exatamente o que representa ir para uma nova família. Elas apenas querem ter a chance de ter um pai e uma mãe, mas não sabem nem compreendem exatamente o que isso representa para a vidinha delas.

Os adotantes também precisam de tempo para se prepararem afetivamente e à seu lar para receber este novo membro estranho e incompreendido.

O filho que chegará não saberá se comportar, usará termos chulos, será malcriado, mentirá muito, mal saberá ler e escrever, tratará os adultos não familiares com uma intimidade desconcertante, causará problemas na escola (brigas com os coleguinhas, roubo de material escolar alheio, desobediência dos professores, etc). Os novos pais já devem estar preparados para estes comportamentos, compreendendo suas causas, a brevidade de sua duração e como lidar com eles sem maiores estresses.

Eles perceberão o quando o fato de compreenderem o que esperar e como agir facilitará a mútua adaptação!

Os novos pais em adaptação precisam de apoio e acompanhamento. De preferência por um profissional da psicologia. Este psicólogo deverá acompanhar pais e filhos durante no mínimo seis meses, sendo o ideal pelo menos um ano.

Os grupos de apoio podem ser de grande ajuda, pois é um momento onde os adotantes terão contato com outros pais que passam ou já passaram pelas mesmas ou similares experiências. Assim, nada de sumir dos grupos de apoio, mesmo que virtuais, quando as crianças chegam: esta é a hora em que eles são até mais importantes.

É nos grupos de apoio que se descobre que grande parte do que se passa é normal até para crianças paridas e que a pequena parte que não é de praxe para qualquer criança pode ser trabalhada sem maiores estresses e que com o tempo melhorarão e tudo será mais tranquilo e feliz.

Fonte: Rosana Ribeiro da Silva

Francieli Franzoni Melati

Francieli Franzoni Melati Psicóloga – CRP 08/9543 Francisco Beltrão - PR