INDIGNAÇÃO SELETIVA
Por Otávio Sedor
Como um comunicador – no sentido mais amplo da palavra – para muitas atividades que atuo no dia a dia acabo desempenhando um exercício muito simples que surge, na verdade, como uma facilidade divina: observar pessoas. Dias atrás me dei de frente com um debate que fez pensar: por que a gente se indigna tanto com algo que acontece do lado oposto e faz tão pouco caso quando a mesma coisa acontece entre nós? O questionamento ficou.
Quando falamos de, por exemplo, corrupção. Existe corrupção menor ou corrupção maior? Ou é simplesmente tudo corrupção e ponto final? Depende… as vezes, vai do lado em que estamos. Depende das nossas convicções imutáveis. Depende da doação de si em admitir que, desde o início, talvez você esteja errado. Ou, no mínimo, sendo hipócrita. Ou, mais no mínimo ainda, sendo absurdamente enganado. Ah! E é sempre bom lembrar que isso vale de forma exatamente igual para os dois lados.
Talvez duas coisas expliquem muito bem essa situação. Ambas muito ligadas com uma visão mais antropológica das coisas. Ou simplesmente com o fato de olhar o que acontece a nossa volta. A primeira, a famosa teoria das “bolhas”: você vive dentro de um mundo paralelo, cego com relação a tudo que acontece do lado de fora. E não importa o que aconteça, nada fará isso mudar enquanto um alfinete de lucidez não furar essa película protetora. A outra explicação também tem muito a ver com as bolhas, mas acho que mais ainda com o fato de sermos humanos – simples assim. Humano acerta e erra. Mas, principalmente, humano enxerga estrelinhas quando acerta e tem calafrios quando precisa admitir que errou. Por isso, então, as vezes prefere ficar na bolha segura e quentinha, se fazer de cego, surdo e mudo para simplesmente não dar o braço a torcer. Uma violência psíquica que muita gente não consegue aguentar.
No fim, é sobre admitir a própria vulnerabilidade. Admitir que nossos heróis erram, as vezes até cometem crimes. É sobre descobrir a vida real, do jeitinho que ela é. O saudável, sem dúvida nenhuma, seria carregar debaixo do braço algo que anda faltando muito por aí: o senso crítico. O “não pegar paixão” e manter suas convicções estando minimamente lúcido. Só isso. Na verdade mesmo, o mais grave do radicalismo é quando alguém tem suas verdades absolutas derrubadas e, por isso, perde o sentido da própria vida.
