Comunicação

Meio milhão de tristezas

                É impressionante como tudo vira paisagem depois de um período mais longo de repetições. Já convivemos com essa pandemia horrorosa há quase um ano e meio. Nesse tempo, na medida do possível, a vida seguiu. E quando a vida segue, depois de alguns choques, a gente acaba não se dando mais conta do tamanho dos acontecimentos.

                No último domingo, vendo o Fantástico – que sempre dá uma aula de conteúdo jornalístico – me deparei com aquela reportagem que tratava da marca de 500 mil mortos pela COVID-19. Mais do que um número astronômico, um verdadeiro tapa na cara depois de refletir que, além de 500 mil sonhos que foram interrompidos, outras milhões de pessoas ficaram. Familiares, amigos, colegas. E a perda é uma tortura para quem fica. 

                Foi justamente esse o foco principal da matéria: o sentimento dos que ficaram. Dos que pouco puderam fazer além de assistir, em um piscar de olhos, a passagem de pessoas que amam muito. Não tem como, em uma situação dessa, não despertar em nós o nobre sentimento da empatia. Pena que ele está cada vez mais raro.

                Empatia é simplesmente o ato de se colocar no lugar do outro. Tentar – apenas tentar – imaginar e sentir por um instante o que o outro passou ou está passando. E quando a gente já passou por algo parecido, a empatia fica ainda mais viva no nosso coração.

                Acho que poucas vezes falei diretamente sobre COVID nesta coluna. Por menos vezes ainda falei sobre minha vida pessoal. Mas a dor das pessoas que amavam e viviam com esses mais de meio milhão que nos deixaram me trouxe uma vontade absolutamente instantânea de estar escrevendo isso agora. 

                Quem me conhece, sabe que tive algumas perdas importantes na vida. Perdas bastante precoces, talvez. Além dos meus avós, referências eternas em tudo que me tornei, também a partida da Ellen há quase 2 anos. Aconteceu 10 dias depois de noivarmos e após alguns anos de convivência, morando juntos. Ela só tinha 21 anos. 

                Acho que nunca falei disso abertamente, mas especialmente quando o fato com a Ellen aconteceu, eu perdi o chão. Do dia pra noite, minha rotina mudou totalmente. Não morava mais no mesmo lugar que estava morando, não fazia mais as mesmas coisas que fazia todos os dias. Eu simplesmente não sabia o que fazer. Era difícil levantar da cama e trabalhar, fiquei sem escrever essa coluna por algumas semanas. Tudo era estranho. É claro que o tempo ameniza, que a vida segue, que somos resilientes por natureza e instinto. É coisa do ser humano e acho que, particularmente, me identifico bem com isso. Porém, até chegarmos lá, cada um no seu tempo, a estrada é turbulenta. E foi por isso que me coloquei no lugar de outras milhões de pessoas que estão passando por isso neste momento. Ou já passaram. Ou ainda vão passar. Pois é, quanta gente já se foi neste um ano e pouco. É muita gente passando por isso em muito pouco tempo.

                Se você chegou até aqui e achou que isso não tem nada a ver com comunicação, basta lembrar que foi a reportagem do Fantástico que me fez lembrar de tudo isso. Me fez pensar, refletir e sentir. A comunicação cumpre ainda mais lindamente o seu papel quando projeta a nossa vida nos fatos que contam a história do mundo. Portanto, todo o carinho, força a respeito para todos que amam essas mais de 500 mil vidas interrompidas. O texto de hoje é inteiramente por vocês e para vocês.