Não há banalidades na vida de uma criança!
(Uma crônica de Claudemir M. Moreira)
Lembro de muitas coisas da minha infância… e lembro de coisas que ninguém mais lembra… mas nada me marcou tanto, quanto as “banalidades”.
Na verdade, não as considerava e não as considero “banalidades”… os outros é que consideram.
Sei que aqueles pequenos momentos que poderiam passar despercebidos, sem importância para qualquer outro, foram fundamentais na formação do meu caráter, minha personalidade, e na percepção da vida e de meus sentimentos. E sei – e tenho certeza! – que o rumo da minha vida seria outro sem aqueles pequenos e sutis prismas de inocência da infância.
Tudo era tão minimamente importante e prazeroso, que até mesmo o medo e a dor eram rapidamente sanados pelo clímax do simples próximo passo. Vivíamos em outra época, outros valores, outras compreensões. Vivíamos em um quase outro planeta… a Terra simples e pura. A Terra onde os muros eram mais baixos e o mato, mais alto; onde as chuvas eram aclamadas e as enxurradas levavam apenas os risos e a felicidade de uma turma de crianças; onde um pequeno monte de areia de construção era transformado, no exato momento em que o caminhão o despejara, no parquinho da turma… até o momento em que fossemos expulsos dali.
Todos os adultos, insistentemente, gritavam com a gente: “Tão espalhando a areia!”; “os gatos fazem cocô aí… vão pegar uma doença!”… “não subam!”, “não desçam!”, “não entrem!”, “não saiam!”, “não pulem!”, “não gritem!”, “não corram!”… e sempre esqueceram de gritar “não morram!”.
Hoje eu sei, entendo… e é simples. Nós – enquanto adultos – morremos de inveja da pureza e simplicidade das crianças em lidar com o mundo. Mas na verdade, hoje, sinto pena das crianças. Perderam a liberdade, a pureza, a simplicidade… e até a necessidade criativa! Tudo está pronto. Perderam o contato com a natureza, a terra, o mato, os cachorros com cheiro de cachorro molhado… e os perigos simples que as coisas simples da vida podiam nos causar.
A tecnologia da vida “ultramoderna” está espatifando, esmagando, aniquilando as experiências primordiais da infância.
E o que será dessas crianças de hoje? A mídia diz “comam isso!”, e eles comem… “vistam isso!”, eles vestem… “Matem!!!”… e, simplesmente, eles matam. “Sejam assim e vocês estarão inseridos… e serão aceitos”, “sejam iguais e estarão com os mesmos”… e eles nem pensam! E não há muito o que fazer. Quem tem as armas nas mãos e poderia reverter o sistema, só quer é vender os seus produtos… alguma comida sem gosto ou de gosto indecifrável, mesmo que na embalagem diga “frutas silvestres”; umas calças já rasgadas de uma forma incoerente e alguns adereços confusos. Vendem o medo e o desespero. Vendem a ilusão da necessidade ou a pura vaidade. Vendem a doença ou o simples medo dela; a cura ou os remédios que não curam, ou que ainda geram a necessidade de outros tantos remédios. Vendem uma doença que sequer existe e uma cura, que também não. Vendem uma folha de papel em branco, com um tracejado, bem embaixo, para que você possa assinar. E vendem algo que faça algo que gere a necessidade de outro algo que ninguém , na verdade, necessita. Vendem até estrelas! E querem vender seu corpo congelado para o futuro. Vendem-lhe um filho, um coração, a alma e sentimentos em vão. Podem vender um corpo novo, aquele lábio atacado por vespas e aquela cara plastificada, de músculos paralisados, intoxicados por uma toxina botulínica; mas não podem, verdadeiramente, vender-lhe felicidade.
E, por fim, você sempre entra em uma loja de utilidades onde facilmente observa que 99% do que se vê nas prateleiras é completamente inútil para 99% dos consumidores… a verdadeira loja de inutilidades. E as pessoas compram assim mesmo, aos montes! Pra que, não sei… talvez, nem mesmo elas saibam. Compram por indução. O poder de persuasão sobre quem não pensa é certeiro.
E essas sim, são as verdadeiras e inegáveis banalidades. As frivolidades da vida moderna.
Banalidade é o tempo que nos consome, a política e o sistema que a sustenta; são os meios de comunicação e as desenfreadas incitações à disputa pelo poder.
Banalidade, sim, é viver em um mundo onde inventos e projetos úteis são ignorados e engavetados e os inúteis, vendem bilhões.
Banalidade é a guerra pela guerra, o inimigo imaginário e os inocentes mortos estampados nas telas de TV.
Banalidade é essa comédia da vida humana ou o próximo episódio dessa desastrosa epopeia de uma civilização que rabiscou o curso de sua própria história.
Banalidade é essa tentativa injustificável de fazer do podre o êxtase da vida; é ignorar que os verdadeiros terroristas dão as caras, todos os dias, nas telas de TV.
Banalidade é abandonar o simples e abraçar intensamente o fútil, o vazio… o nada.
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Ótimo, preciso como sempre Claudemir. Penso nisso toda vez quando saio por aí para conhecer algum lugar novo para mim. Aquele sentimento de criança, descobrir o que tem lá em cima do morro, lá atrás daquela pedra, por detrás de uma cachoeira. Isso se perdeu e muito, espero que ainda possa ser revertido.
Saudade da época em que as crianças eram soltas, livres e criativas. Hoje, desde pequenas, são induzidas pela mídia, que as prende neste triste Universo de banalidades.
Claudemir, sonhei com as banalidades úteis de minha infância, primordiais para a formação da criança que ainda sou! Excelente análise social!