Teorias & Fatos Históricos

A FUNÇÃO DA HISTÓRIA E PARA QUEM ELA SERVE?

Pra que serve a história, afinal? A historiadora Vavy Pacheco Borges resume informando que é “fornecer à sociedade uma explicação sobre ela mesma.” Parece algo simplista. E é. Mas será apenas isso? Foi-se o tempo que a história era isolada, pois quando relacionada com outras ciências, tais como geografia, antropologia, psicologia, sociologia, filosofia, enfim, interdisciplinariedade é essencial em estudos históricos. A dimensão humana é ampla, e nunca será algo simples. Como não existe história exata e muito menos linear (como a história tradicional, que enaltecia grandes feitos e “heróis”), ela sempre é mutante. Dois historiadores podem analisar o mesmo período histórico com as mesmas fontes, mas dependendo da carga teórica e metodológica de cada um, obviamente terão impressões diferentes do passado humano. Pra que serve a historia além de buscar explicações da sociedade que nos cerca?

Serve além, ela tem funções sociais. Para o além de explicar relativamente fatos com base em pesquisas, também busca a possibilidade de mudar a realidade na qual se encontra. Enquanto numa historiografia tradicional (positivista) o foco era apenas figuras políticas e documentação oficial, nada poderia ser visto além de manter um status quo de determinadas elites, logo, sem mudança social alguma. Já, numa perspectiva mais crítica, uma historiografia marxista, visa material e as relações humanas com as produções econômicas – aqui, abrangendo a todos, buscando, portanto, noções de mudanças numa sociedade, pois devido aos processos materiais, o homem e o trabalho são interligados (sem contar a questão de “classes”). Por outro lado, nos Annales (movimento de historiadores e outros estudiosos de humanas que teve inicio na França no fim da década de 1920, com Marc Bloch e Lucien Febvre como pioneiros), em suas variadas fases, buscaram e buscam análises mais culturais das sociedades, em detalhes, indo desde o jeito de vestir, a sexualidade, os alimentos, as doenças, enfim – mas sem necessariamente buscarem efetivas mudanças sociais. Deixando de lado agora essas questões de posicionamento historiográfico (pois envolve também, ideologias, e esse não é o foco do artigo), voltemos à função da história.

Falamos na mudança do tempo histórico. Vale lembrar que esse tipo de tempo nada tem a ver com os calendários ou com os relógios, frisa Borges. O tempo histórico é tão complexo, que ele é ignorado por muitos – seja por desconhecimento, seja por outros motivos (como religiosos, já que o tempo metafísico de uma crença deixa de lado o tempo histórico, o dito “real”). No Ocidente, lentamente as mulheres vão ganhando destaque na história, e isso são explicado densamente por análises históricas. Essas explicações, abertas as críticas, buscam mudanças onde o ser humano habita. A história humana segue com ou sem leituras de livros de história, sem dúvida, mas eles influem e muito na visão que possuímos, como pensamos e como agimos. O machismo, por exemplo, é combatido com conhecimento sobre a história do gênero. Logo, a história possui funções dinâmicas, e pode sim, interferir no pensar e agir, tanto quanto a mídia em geral faz com seu jornalismo e documentários. A própria história não tem sentido algum, ela se desenrola de maneiras variadas (história universal é um mito) em povos diversos, em tempos-espaços que jamais são iguais.

A compreensão do presente sempre depende de uma análise de um passado, seja ele distante ou pertinho.

Certo, mas e pra quem ela serve? A história está a serviço de quem hoje em dia?

Boa pergunta. Vejamos, outrora, ela servia somente aos generais, políticos e reis, e quem mais estivesse restrito ao círculo de determinadas elites, bem como de intelectuais. Posteriormente, deu uma guinada, onde as massas passaram a ter voz ativa, mesmo que baixa e rouca inicialmente, era uma visão de mundo que a história passaria a servir os anônimos, incluindo operários, mulheres, mendigos, ladrões, crianças, adolescentes, loucos, LGBTs, enfim, grupos que praticamente nem existiam na história (oficial), mas passaram a ser notados e historiados. Essa dimensão ampla dá a entender que a história serve de acordo com cada época – ou seria dizer, ela favorece a cada época?

Hoje com as redes sociais, os interesses ficam mais claros de grupos diversos. A história mais crítica e acadêmica serve obviamente as instituições de ensino que ela é produzida. A história mais “vulgar”, comum em revistas populares a venda nas bancas, servem a um público mais leigo no assunto no mesmo sentido que atende os interesses econômicos dos responsáveis pelas revistas; e por aí vai. No fim das contas, o interesse maior numa produção histórica é bem de cunho político – notemos como debates políticos em redes sociais são frequentes, cotidianos – independe de classe social esse tipo de debate, todos que tem acesso debatem, com ou sem filtro, com ou sem formação, com ou sem base teórica alguma, com bom senso ou senso (sem contar os fanatismos). Nessa onda enorme ocorre um historicismo cruel, onde cada um dá sua versão da história como convém. Logo, ela serve também pode servir a si mesmo, mas nem todo mundo admite.

Referência bibliográfica:

BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. 2 ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2002. (Coleção Primeiros Passos, v. 17)